terça-feira, 30 de novembro de 2010

Lady Laura

Ela, uma senhora simpática. Ela, uma van velha de guerra. Elas, Ladies. Elas, Laura. Lady Laura. Uma, frágil e muito de bem com a vida. A outra, forte e muito avariada ao longo dessa vida. Aquela curte se arrumar, se produzir até quando vai votar. A outra é quem garante a produção, seja musical ou qualquer uma aí que aparecer à mão. Essa, sabe de tudo que seu dono fez dentro dela, e poucos casos curiosos não foram! Aquela, sabe conquistar, adora paquerar, seja conhecido ou desconhecido que vai encontrando por aí. Uma agüenta o tranco. A outra já nem tanto. Essa, passeia pelo bairro, faz caminhada, anda até sobre o asfalto. Aquela, viaja muito por aí afora, tá sempre com pressa, corre, cruza retas sem fim; o asfalto já é um velho companheiro. Uma ainda tem cabelo, loiro, quase branco. A outra tá quase careca, vezes quatro, mas esbanja, no aro, tons prateados. Ela tem um companheiro? Não sei, acho que não. Ela tem um dono. Espécie de companheiro deve de ser. Segredos ambas têm? Claro! Mui provavelmente. Mas uma não os esconde, diz tudo pra todo mundo. Já a outra, como eu já disse, de tudo sabe, mas de nada pode dizer. Um segredo de ambas, eu vou lhe contar. Uma com uma mulher já fugiu, antes dos filhos, antes dos netos. A outra com várias mulheres ali se viu, depois vieram os filhos, depois vieram até netos. Ela fuma ou já fumou um? Não sei, mas é bem provável, sabe? E a outra? Bem, já fumaram muito nela. E por que ambas aqui são tratadas como ladies? Porque cada uma têm algo nobre e requintado, possuem um mistério que não pode ser aqui revelado, talvez, apenas, esboçado. Atenção: um segredo de cada foi comentado, e o presente narrador, ausente em breve se declarará. Ela está vendo. Ela está vindo. Essa me atropelará. Aquela, no asfalto, se debruçará, me beijará e envolto à aromas florais expirarei. E o que é isso?! Não sei. O texto degringolou, acabou!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Fragmentos do cotidiano (6)

Não é todo dia que temos o privilégio de pôr os olhos sobre uma beleza áurea e rara, ainda mais numa lotação lotada. Pois bem, ontem à noite ganhei essa graça. Lá estava eu, entre uma senhora de vestido juvenil e alegre e uma pré-adolescente de trajes soturnos, quando ela apareceu. Foi se aproximando de ladinho, o corredor da condução estava cheio, e parou frente à porta de saída traseira, eu estava no fundão da lotação. Ficou lá de pé olhando para o nada, distraída e aparentemente triste. Pensavas em que, meu bem? Fiquei de lá do meu canto admirando-a, da cintura pra cima, é verdade, não podia ver seus membros inferiores. O que vi, aqui comento: vestia um vestido todo estampado, colorido, desses que estão na moda, algo deveras agradável de se ver, percebia-se que ela estava fresquinha. Seus seios estavam muito bem alojados, simétricos, e tinham um generoso volume, o seu pulsar me causava um casto frenesi. Braços delicados ela tinha, e o tom de pele, levemente tostado, davam-lhes uma maciez saudável e sincera. O pescocinho era convidativo, lisinho, lisinho, notava-se que sua respiração estava um pouquinho acelerada. Seus lábios carnudos e rosados não se contorciam, estavam quietos, sérios, aguardando os meus talvez. O narizinho era uma graça, as narinas não eram largas e a ponta não era fina, era arredondada, digamos. Os olhos, ah, os olhos, bem, castanhos eram, mas de um castanho bem claro e brilhante, graças, eu acho, à iluminação artificial da lotação. As sobrancelhas não eram muito finas, mas bem feitas eram e negras, dum negro quase que grafite. A testa dava pra ver bem, lisinha, lisinha, sem intervenções cirúrgicas ou orgânicas. Bochechas coradas e salientes, dois outros convites. E as orelhinhas ora se escondiam entre aquela cabeleira loira e lisa. Era de um loiro escuro muito sedutor, lembrou-me logo um café-com-leite do bom e requintado. Bem, não era uma loira natural, mas era uma loira, uma bela loira, um loirão. Lá do meu canto, pude ver tudo isso, sentado e mui admirado, encantado. Só me espantei quando ela olhou direto pra mim. Eh, as mulheres percebem quando estão sendo vistas. Depois, num segundo olhar, olhou-me com mais calma, pra ver com mais detalhes o cara, eu, que a estava observando. Acho que queria me avaliar, ver se eu valia a pena ou não. Nisso ela sorriu, aí eu pude ver aquele sorriso metálico e ofuscante. Será que eu fui aprovado? Terá ela gostado de seu olheiro inusitado? Enfim, não sei, só sei que ela, logo após me lançar aquele sorrisinho sapeca, enfiou o dedo indicador esquerdo na narina esquerda! E o ficou enfiando, girando um bom tempo... Seu rostinho agora fazia umas caretas medonhas. Os olhos se fechavam, se espremiam. A boca e o nariz se contorciam. A testa apresentou-se cheia de dobras. Até o cabelo, aquela linda moldura de outrora, ficou um pouco bagunçado, descabelado, pude ver, juro, pontas duplas! Ela estava em gozo, óbvio. Eh, nem tudo nessa vida dá pra romantizar. Decepção, cadê a Ilusão?!?

sábado, 20 de novembro de 2010

Abstinência

Meu corpo treme constantemente, mesmo fazendo um puta sol lá fora. Sinto-me fraco, apático; não consigo pensar em outra coisa. Preciso dela. Meu corpo a chama, ela me é vital. Até minha voz não é mais a mesma, ficou quase inaudível, fraca, triste; não tenho mais aquele tom agradável e límpido de antes, de antes da minha sina sinistra. Meus olhos não brilham mais de entusiasmo, parecem mortos de tão exaustos que estão de verter lágrimas. Olhos vermelhos. A dor é muito forte. E a Solidão, velha companheira, cada vez mais presente, mais fixa e persistente. Com ela eu não me sentia só. Sentia-me acolhido, quase que num ninho, abrigado, protegido e bem, muito bem, entende? Sinto-me perdido, deslocado, desamparado. As coisas que eu fazia antes não têm mais graça, agora não fazem mais sentido. E essa dor cá dentro de mim, que amola minhas entranhas. Sinto que a Solidão me acaricia com duas facas bem afiadas. Estas não chegam a me ferir gravemente, mas a cada passada delas na minha pele, um filete de sangue surge, e não estanca, continua escorrendo copiosamente sem indícios de cessar; ferida aberta dói. Preciso tanto dela! Somente com ela me sinto bem, bem melhor. Só ela me acalenta. Onde ela está? Por que a arrancaram de mim, assim, tão repentinamente? Vocês, os outros, não sabem o que é bom para mim! Só eu sei. Só eu. Eu só estou. Estou eu só. Eu estou só. E quem é ela? Quem é essa que me é tão essencial, tão vital?? Ora, é a Ilusão. Arrancaram-na de mim. Você a viu por aí?...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

SSMS (38)

Ñ gosto desta Primavera atípica. Parece até Inverno! Cadê as borboletas?? Sumiram. Ñ as vejo mais. Ah, sim, eu as sinto. Estão cá no meu estomago se decompondo.

domingo, 14 de novembro de 2010

Caixa de saída (5)

“Amanda”

Amanda,

Fico profundamente triste, chateado deveras por saber que você não gosta de mim e nem tem interesse sincero em manter contato comigo. Se insisti em ter, foi mais pra alimentar a amizade entre a gente, pois, a amizade, esse sentimento cada vez mais raro, é essencial a todos os seres humanos. Não tive e nem tenho segundas intenções para com sua ilustre pessoa. Só queria mesmo tua estima e teu respeito.

Bem, sinceramente, espero que você esteja com pessoas de seu agrado. Espero que estes seus eleitos, estes seus escolhidos a dedo estejam ti fazendo muito feliz. Espero mesmo que eles também gozem de seu amor e bom-humor, pois, se estão contigo, se você as tem próximas, pessoas maravilhosas e de profunda confiança devem de ser.

Você é um pouco mais jovem do que eu, por isso, também espero que, quando ficar um pouquinho mais velha, perceba que na verdade, na dura realidade, estamos sós nesta vida. Eu queria mesmo era dividir um bocadinho da minha contigo, sem libido, mas você deixou bem claro que não quer e nem deseja isso. Sendo assim, vou respeitar essa sua vontade aparentemente sincera.

Cuide-se bem então, pois ninguém, acredite, ninguém cuidará de você, só você mesma.

É isso.

Este é o último e-mail que envio a você. Não vou mais ti aborrecer.

E não aguardo resposta.

Cordialmente e consciente,

BRO

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Apenas um Beijo de Boa-Noite

Passou pela portaria sem problema, o porteiro noturno de plantão o conhecia. Enquanto atravessava o pátio de carros populares sacou do bolso esquerdo da jaqueta jeans o aparelho portátil. Não precisou digitar as pequenas teclas correspondentes à seqüência numérica desejada. O número dela já estava salvo, há pouco tempo. Após dois toques atenderam, ele disse, Oi! Sei que está muito tarde, mas eu poderia passar aí pra ti dar apenas um beijo de boa-noite? O sorriso largo em seus lábios denunciava que seu pedido foi aceito. O indivíduo acelerou o passo. Este morava no quinto andar do bloco F, a outra no quarto andar do mesmo bloco. Conforme o indivíduo subia as escadas, as luzes iam se acendendo automaticamente. Percebia-se que o indivíduo se tratava de um corado rapaz. Devia ter seus vinte e poucos anos. Jovem e afoito. No quarto andar parou. Aqui a luz externa não acendeu. Bateu três batidinhas quase inaudíveis. A porta foi aberta segundos depois. Uma luz branca, um perfume almiscarado penetrante e um sorrisinho malicioso e convidativo na face parda causaram-no uma espécie de paralisia. Só cruzou a porta quando ouviu, Oi, meu lindo! Entre. Enquanto a porta era fechada à chave, os dois ficaram se olhando, apenas exibiam os dentes perolados um para o outro. Porta trancada, a luz branca se apagou. O som que se ouvia na penumbra do apartamento quarenta e quatro era o do fluxo contínuo e circular das salivas e dos estalos labiais cortados. Dava pra ouvir os cochichos dos dois, Saudades de você. A temperatura dos dois corpos aumentou ligeiramente. Ambos os corações estavam se acelerando. A mulher emparedou o jovem. Movimentos pélvicos eram perceptíveis. Gemidos contidos agora eram ouvidos nitidamente, deliciosamente. Mais cochichos se ouvia, Se continuar assim... Tira isso... Vêm... Ai... Aí... Não... Assim não... Tem preservativo?... Melhor sem... Melhor com... Doido... Você é estranha... Vou pegar... Você põe então... A mulher pôs, ao contrário. O jovem endireitou. A mulher o agarrou pela jaqueta jeans e disse, Vem logo! Aqui. E os dois deitaram-se num colchão ali já estendido. Ele sobre ela. E fornicaram. E gemeram. E disseram-se, Assim eu gozo logo... Assim mesmo, não pára... Não grita... Não grita... Levanta a minha perna (esquerda)... Isso... Assim... Vai... Gostoso... Não é gostoso?... Assim?... É... Muito... E gozaram, juntos, aparentemente. Beijaram-se, amavelmente, longamente. O jovem foi ao banheiro cambaleante, no escuro. A mulher dedou o canto dos olhos e revestiu a calcinha preta. O jovem a beijou, novamente, quando do banheiro saiu, sorridente. A mulher já estava de pé, esperando-o. Abraçaram-se, amavelmente, longamente. O perfume corpóreo de cada um foi-se transferido, transmitido ao outro. Olhos brilhantes se despediram, demoradamente. Não se olharam mais enquanto a porta era destrancada, aberta lentamente. A mulher antes de fechar a porta ainda fitou as costas do jovem. O jovem encarou a escuridão do corredor, olhou para trás, e sorriu, ainda podia ver sua algoz na penumbra particular. O indivíduo subiu o restante das escadas até seu próprio apartamento de número cinqüenta e dois. A cada passo que ele dava, o sorriso satisfeito e sincero em seus lábios foi-se desmanchando, tornando-se triste, um sorriso triste. Quando adentrou seu recinto, trancou negligentemente sua própria porta. Cambaleou direto a seu quarto de solteiro. E desabou duro de roupa e tudo. O coração parou, finalmente.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Uma desvantagem de emagrecer

Não estranhe o título. Sei mui bem que as bancas de revistas e os programas vespertinos da tevê pregam periodicamente as inúmeras vantagens de perder peso, mas eu não quero falar disso, pois, como é óbvio, já se fala por aí afora, e muito! Cansei de ler e ouvir papo sobre alimentação saudável, sobre prática amadora de alguma atividade física e sobre todo tipo de excesso que deve ser evitado. Já absorvi essas coisas. Já mudei minha educação alimentar e física. Já não pratico os tais maus-hábitos. E, por ser bom aluno, solidário com esses preceitos doutrinários, acabei me arranjando um probleminha, uma desvantagem de emagrecer. E qual seria esse probleminha, essa desvantagem?? Bem, o problema é a calça, ou melhor, são as calças jeans. Bem, eu vestia o fatídico número quarenta e quatro. Eh, eu era grande. Hoje em dia visto o raro número trinta e oito. Digo raro porque é mui difícil comprar esse número. Caro leitor, se tu encontrares tamanho achado, considere-se com uma baita sorte e, se possível, guarde-o para mim, sim? Depois acertamos o envio e o pagamento. Mas se quiseres dar-me de presente. Agradeço-lhe desde já. Além dessa dificuldade, há outra, a mais grave: as calças antigas. O que fazer com elas? Infelizmente as calças não emagrecem junto com a gente. Ainda usá-las? Sim, eu ainda as uso e passo mó aperto, quer dizer, passo mó folga com elas. Estão sempre caindo. E tenho que levantá-las sempre. Muito constrangedor isso. Tenho que ficar sempre com uma mão no bolso, segurando a calça de forma discreta, entende? Meu receio de ficar apenas de cueca no meio da rua é eminente. E teve vezes que isso quase aconteceu. Baita susto. Já mandei pregar umas calças aí, mas não adiantou muito, não. Ou eu continuo emagrecendo (de forma crônica), ou as calças é que estão engordando silenciosamente no meu guarda-roupa. Devo comprar uns suspensórios? Isso ainda existe?! Não sei. Talvez. Será que eu ficaria menos desengonçado com os suspensórios? Bem, ao menos minhas mãos ficariam livres, né? Vou pensar mais nessa possibilidade, nesses acessórios excêntricos. Bem, o leitor, sem dúvida, estará se perguntando agora: - Por que esse cara doido não usa um cinto logo? Veja bem, meu caro, sou alérgico às fivelas. Minha pele não se dá com o metal. Feridas horríveis surgem do contato direto entre os dois, por isso recorro a outros métodos pra assegurar a altura ideal das minhas calças. Eh, nós, ex-gordinhos, ou nós, novos magros, tentamos nos adaptar perante a segunda década do século vinte e um.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Desmaio

E de repente senti que minhas forças estavam se esvaindo... Minha consciência estava me abandonando... Não sei se era eu, minha pressão poderia estar baixa ou alta, não tinha bebido água ainda. E não tinha ido dormir cedo, eu estava acordado e com sono, cansado. Não sei se foi por causa do tempo, fazia mais de trinta graus Celsius lá fora, e onde eu estava, lugar pequeno e fechado, só havia uma janelinha, bem que poderia estar com uma temperatura acima da externa... Enfim, caí. Não sei quanto tempo se passou. Acho que poucos segundos, pois percebi que estava de quatro no chão, não sei bem como, e não sei bem como de pé fiquei. O lugar onde eu estava parecia conhecido, mas não familiar. Sentia-me perdido. Entrei em pânico – não conseguia distinguir direito o que estava vendo. Sentia-me cego duma cegueira branca. Lembro-me bem dum clarão. Eu estava com medo. Instantes se passaram e finalmente reconheci onde estava. Senti alívio e desespero. Nossa, eu desmaiei. Desmaiei no banheiro. Caí do vaso-sanitário. O lado esquerdo do meu rosto doía. Percebi que meu joelho direito também estava dolorido, acho que, quando despenquei, bati-o na parede à frente do vaso. De pé, e com as calças arriadas, limpei-me, mas ainda estava meio tonto, não rasgava o papel-higiênico com facilidade. Eu estava suado. Minhas pernas finas tremiam. Percebi isso enquanto levantava as calças. Dei descarga e saí dali, a passos lentos, eu estava confuso e preocupado, nunca em toda a minha vida, nunca eu tinha desmaiado. Sentia-me estranho, sentia um certo mal-estar enquanto lavava as mãos. No espelho, pude ver que meu rosto tinha perdido o tom corado habitual: estava branco e meus olhos estavam fundos, negros. Vi, finalmente, a minha fraqueza, a minha fragilidade humana. E por não entender nada do que me aconteceu me desespero.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Charm da Augusta

Não adianta, ainda tenho a pachorra de ficar observando as pessoas ao meu redor. Vício desgraçado esse, mas inocente, meio insano, e até que idílico. Ultimamente, sabe, ando reparando numas pessoas da rua Augusta. Bem, tá certo que essa rua daria, dá mote inesgotável para diversas produções literárias. Crônicas, Contos, Poesias, Romances incontáveis, impagáveis poderiam, podem ser escritos inspirados nessa rua tão instigante de São Paulo, mas vou me contentar, me expressar apenas com este post mesmo. Trabalho nessa rua há poucos meses, e bem próximo donde labuto há um estabelecimento, um restaurante-lanchonete-bar. Ou seria bar-lanchonete-restaurante? Bem, algo assim, sabe. O nome do recinto num preciso nem dizer, tá na cara. O paulista já sacou. E você, que não sabe, depois me pergunta, certo? Pois bem, estou nesse estabelecimento de segunda a sexta-feira, entre às 7h30 e às 8h. Pode conferir. Tô lá no balcão saboreando meu gostinho matutino de felicidade: cappuccino médio e um pão francês na chapa no capricho. Coisa essa de verdadeiro paulista: tomar café-da-manhã fora de casa em lousas brancas. E sempre a mesma coisa. Todos os dias. Enfim, é um bocadinho da nossa própria singularidade. E lá, sentado no balcão, fico bisbilhotando de soslaio os demais fregueses. Por lá aparece, quase sempre, o Casal de Motoqueiros. Os dois adentram o estabelecimento trajando preto, sempre, e com os capacetes pendurados no antebraço esquerdo de cada um. Capacetes estes estilizados, multicolores, lembram os típicos de competição na lama. Costumam sentar na mesma mesa, sempre. Pedem dois expressos e dois na chapa. Assim mesmo, desse jeito, antes de se sentarem. E quando sentam, próximos à televisão de tela plana, ficam papeando, de olho no aparelho e de olhos sonolentos entre si. É um casal jovem e que curte conversar sobre os problemas de seus respectivos trabalhos ali mesmo. Cada um parece realmente interessado no que acontece com o outro quando estão separados. E quando o café-da-manhã é servido, os dois começam a se animar. Ganham um vigor avermelhado em suas faces. Sorrisos cúmplices surgem. Dá gosto vê-los. Outra figura curiosa e o Cara da Coca. Cara, o cara toma uma latinha de Coca-Cola logo de manhã! E, pra acompanhar, uma esfiha gorda de carne, daquelas fechadas, sabe, regada afoitamente com catchup. Mostarda nem pensar! O Cara da Coca detesta. Pimenta idem. Apenas o molho vermelho e mais nada. Café-da-manhã encorpado, né não? Outro típico paulistano. Eh, São Paulo é assim mesmo: surpreendente. Mas o melhor, ou a melhor, deixei cá pro final. O verdadeiro Charme da Augusta é a Negra Fashion. Às vezes quando chego, ela já está lá, às vezes não, chega pouco depois de mim. O que ela toma de manhã? Surpreenda-se: Toddynho gelado e um pãozinho na chapa amassado. E todo dia. Ela eu não olho de soslaio, não. Eu olho pra ela descaradamente e, sendo deusa, isso ela é, sem dúvida, não me dá bola. Totalmente indiferente fica. Prefere tomar seu café-da-manhã com a mão direita, e com a esquerda fuça seu aparelhinho celular. Deve ter dezenas de admiradores lá salvos no aparelho portátil. É uma deusa fashion! O corpão negro dela é coberto por roupas descoladas, dá última moda, entende? Tendências ela segue. E meus olhos a devora. Uma graça. Não entendo de moda, por isso não vou entrar em detalhes quanto à vestimenta dela, ok? Mas acho que você aí, leitor camarada, já a visualizou. Não? Bem, aí vai umas informações adicionais: ela mede quase um metro e oitenta, sempre usa bota ou sapato com salto médio, raramente a vi de tênis, mas os tem e os usa, pode crer. Pele negra, dum negro mais pro chocolate ao leite do que pro chocolate amargo. Cabelos lisos, compridos até mais ou menos no meio das costas largas, não muito largas, mas atlética. O cabelo ela sempre o prende, feito rabo empinadinho de cavalo, sabe. Quanto ao rabo mesmo, quanto ao bumbum, ai, ai, como eu posso lhe dizer? Uau!!! Empinado, redondinho, um pouquinho largo e muito, mais muito atraente. E fica mais atraente quando ela o cobre com aquelas calças legging! Puta-que-o-pariu!! Essas calças me fazem sofrer diariamente. É uma louca tentação. Mas, enfim, onde eu estava mesmo? Ah, então, ela, essa deusa, pra mim, é o verdadeiro Charm da Augusta, pois, tamanha divindade, mesmo se apresentando voluptuosa, pomposa, cheia de garbo em suas vestis citadinas, tem a santidade, a peculiaridade de alimentar-se simploriamente, infantilmente, digamos. É um tipo de charme, vai, admita. Encantador e instigante como a rua Augusta é.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Cara-a-cara

- O que você está me dizendo?! O que é isso que você está falando? Quem você pensa que é pra me julgar assim? Quem você pensa que é pra me dizer o que devo ou não fazer? Por acaso você gosta de me ver infeliz? Gosta que eu fique aqui trancado, enfurnado à sua inteira e única disposição? Não sou um garoto, não sou um garotinho medroso, receoso do que você pensa a respeito do que faço ou deixo de fazer, não mais. Sou homem. Tenho liberdade de fazer o que bem entendo. Não estou prejudicando ninguém, nem eu mesmo dessa vez. Aliás, estou é fazendo bem, estou agradando, e saber disso já é maravilhoso. Vizinhos? Não me importo e nunca me importei com eles. Nem sei quem são e nem quero saber. A vida deles não me interessa. Prezo a minha própria. O que é tudo isso afinal?!? Está com ciúmes, é? Tá se sentindo rejeitada, é? Problema seu. Sempre estive aqui. Sempre te disse que poderia contar comigo pra qualquer coisa. Sempre me apresentei, e me apresento, disponível. Nunca faltei com ninguém nesta minha vida. Foi você e os outros aí que faltaram; aliás, sempre faltam. Cansei! A vida é minha. Faço o que eu quiser e como eu quero. Não tenho que lhe dar satisfações. Odeio isso. Odeio você. A responsabilidade é minha. Tudo que me acontece de bom ou de ruim é por causa direta ou indireta de mim mesmo. De mim! A Felicidade tá aqui, ó, cá na palma da minha mão! Vê? Em mim. Eu a espremo até do pâncreas, até do apêndice, este órgão inútil. Não me venha com aporrinhações. Basta! Não agüento mais isso aqui. Vou-me embora. Teu egoísmo me dilacera a paciência. Sai da minha frente! Me solta. Escafeda. Pare de chorar. Tuas lágrimas não fazem de você a pessoa com razão aqui. Você é a única aqui que não a tem. Você está desequilibrada. Você está perdendo a noção das coisas. Sabe, pra quem assiste à MTV diariamente, tua visão de mundo é muito limitada, estreitinha. Tenho pena de você. Você é uma puta-machista. Essas suas atitudes não condizem com a tua idade. Tô aqui, diante de ti ainda, e só vejo um ser desprezível, que não entende e nem tenta entender o que está se passando, o que é realmente importante. Tu achas que estou desperdiçando minha vida, é? Engana-se. Eu a estaria desperdiçando se eu continuasse aqui, com você, somente com você. Não dá mais. Liberte-me. Deixe-me viver a minha vida do meu jeito. Deixe-me em paz. Deixe-me! Você me atormenta, me aborrece, me enfada. Estou cansado, cansado de você e de suas opiniões, de seus julgamentos sem sentido, sem provas, sem fundamentos empíricos, sem nada relevante. Tu não tens credibilidade, não tens moral, mesmo sendo minha mãe. Adeus.