sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Curtindo a vida feito água-viva

Minha vida é um passeio sem rumo
e, se durmo,
acabo trombando
no escuro
do absurdo
e sem juros.

Tenho crédito,
tenho tamanho agigantado
e ainda economizo muita energia.

Deixo a conta corrente me levar!
Sou (quase) dona do mar.
Vivo com alegria
apesar de ser desengonçada,
toda gelatina.

Sou água-viva.
Não sou sardinha,
mas sei que nossa taxa de reprodução
e crescimento
tão ali no mesmo investimento.

Meu sistema de caça é primitivo,
mas ativo,
pois exige contato direto com a presa, o contribuinte.
Minha estratégia é diferente:

Insisto em ser lerda,
uma criatura lenta
e assustadora,
pois assim uso, de maneira eficiente,
a energia obtida.
Sem arrochos
ou câmbio,
apenas poupando,
invertebrando...

E, num futuro próximo,
nesta oceanografia econômica,
serei dominante,
com alíquota líquida
e cheia de plâncton dos acionistas
de anchovas oportunistas.


Referência:

MIRANDA, Giuliana. Águas-vivas podem ser novas “donas” do mar, diz estudo. Folha de S. Paulo. Ciência de sábado, 17 de setembro de 2011, C11.

domingo, 25 de setembro de 2011

BLOQUEIO

Ultimamente elas não vêm naturalmente. Não surgem de repente. Parece que me abandonaram ou mudaram de destinatário. As ideias sumiram, evaporaram, escafederam sem deixar rastros desmiolados. Deu branco, e a coisa ficou preta. As páginas pautadas do meu caderno de rascunho estão vazias, como se fossem raias de piscina sem um campeonato em vista. Meu suporte de papel anda infértil, minha cabeça anda oca. Minhas reflexões perderam a transparência, estão embasadas, ilegíveis. Difícil pensar em algo cristalino e original. Carência de algo? Talvez. Mas do que exatamente? Carência de contato físico? De estímulos instigantes e prazerosos?? Sim! Sem dúvida. Esta quarentena, este exílio inatural está me fazendo mal. Isso que dá ser desleixado e exigente demais. Viver é um tédio. Necessito urgentemente adentrar uma tempestade!!! Estou sitiado no tédio de mim mesmo.

domingo, 18 de setembro de 2011

Entre os últimos românticos da rua augusta

...

uns dizem que mulher feia não existe,
outros provam que sim, e como existem!


das bonitas falam que são cheias de frescura,
das feias lembram com ternura

namorar com as lindas não dá, dá muito trabalho
namorar com as horrendas até dá, e como dá, elas gostam de agradar

a beleza está nos olhos de quem vislumbra
cada fêmea têm uma beleza que lhe é peculiar
e, para cada paladar
há uma leda catunda

dizem vistosa
pra não dizer gostosa
pensam puta
por não poder desfrutar

mas todos hão de concordar:
mulher é foda!

sábado, 17 de setembro de 2011

Ciabatta matutina

Ela foi embora inesperadamente. Nem pelo almoço esperou, não deu tempo. Foi-se e foi chorando, ou tentando não chorar – tentou engolir as próprias lágrimas antes mesmo delas escorrerem. Ela estava irritada, decepcionada. E uma decepção muda tudo! Não sei para onde foi. Uma vez na rua outra pessoa se torna, transmuta-se. Quando retornou – surpresa! – ainda conseguia sorrir mesmo com aqueles enormes óculos escuros. E aquele seu perfume ainda era o mesmo. Por onde ela passava, ele sempre ficava pelo ar um bom tempo. Ficava impregnado na gente mesmo sem ela ter nos tocado. E isso era bom, muito bom. Não sei que perfume ou creme era, mas me lembrava ciabatta saidinha do forno. Coisa gostosa, aprazível e apreciável. Contudo, ficou pouco tempo, já estava de partida e desiludida. Dei-lhe um beijo casto na face e um forte e demorado abraço. Pude sentir a fragilidade daquele corpinho e a intensidade de sua essência. Ela foi embora, novamente, mas pra nunca mais voltar; de vez se foi. E o meu jaleco encardido ficou e ficará por um bom tempo. Sem receios. A eutanásia, dessa vez, me trouxe até a padaria.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

SSMS (62)

A frente fria que a chuva traz é a certeza sensorial de que estamos realmente sozinhos e desesperadamente carentes. Mas até na escuridão há uma incubadora.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SSMS (61)

Perguntas capciosas para mulheres em estado civil duvidoso: rolo ou rola?? Pau ou pinto?? Falo ou falange?? Papo ou paparicos?? Crente ou quente?? Confusões...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

DOE A QUEM DOER

Num pequenino corpo feminino vemos a síntese de duas paixões passadas. Seu rostinho redondo lembra bem duas meninas já conhecidas. Uma foi paixão à distância, a primeira dita platônica, a outra foi paixonite, já mais próxima, mas só porque lembrava a primeira. Essas duas não se concretizaram, à vista ficaram. Quanto a este corpinho feminino de agora, não sabemos bem. Talvez seja obra do Dr. Frankenstein. Parece que essas paixões do passado foram fundidas, e quem está cá no presente é outra coisa indecente. Seja quem for seu autor ou criador, o trabalho foi bem feito. Não há cicatrizes. Porém, há uma certa bicoloração. O que é até compreensível, pois dois corpos foram unidos. É um trabalho de qualidade, não dá pra precisar a idade. E o frágil corpinho parece um pouco inchado; resultado natural da utilização de alguns membros dos cadáveres já mencionados. Sim, pois tudo ali usado estava morto, enterrado. A procedência até sabemos, mas não vimos, nem cobramos laudos técnicos. Não acionamos a perícia especializada em paixões passadas. Não achamos necessário. O que vemos é realmente algo único, incomum e estranho... Foi difícil encontrar uma coisa tão boa quanto esta que temos aqui conosco. Trabalhos assim são raros, muito raros. No entanto, não descobrimos ainda o que fazer exatamente com este corpo que nos foi inteiramente entregue e, por isso mesmo, não imaginamos sua utilidade prática ou possíveis satisfações empíricas. Realmente é um bom mistério. Talvez, se fosse mais magro, saberíamos melhor ou mais facilmente onde armazená-lo. Não temos experiência quanto a doações voluntárias inesperadas.