segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dolores


Dolores toma todas as dores do parto
E parte encapuzada carregando a desgarrada
Nos corredores limpos ninguém vê os maltrapilhos
Já na calçada a desgraçada vai de graça

Em casa a cria é desembrulhada
O fruto do fruto proibido é bem-vindo e bem servido
Não recebe maus-tratos o recém-nascido
Ao contrário, o sonho roubado é sonho almejado
Ali já havia um quarto vago
Só restava ser preenchido por um ente querido
Mesmo que este não fosse sanguíneo...

A mentira dita antes se torna verdade
Verdade surrupiada ainda quente de um leito qualquer
Quem chora agora é a mulher que não é mais mãe
Quem sorri sorridente neste instante é a Dolores usurpadora

A criança era inocente
A mãe impotente
E Dolores não carrega mais dores

Dolores é só felicidade
Enquanto a que foi mãe num instante
Quase sofre um enfarte

Anos se passam
O caso trágico não é solucionado
Até hoje a que foi roubada não sabe que foi roubada
A mãe verdadeira chorou muito sua perda
Aliás, ainda chora sua perda, primeira primogênita
Mas era fértil, teve mais dois depois
E Dolores joga arroz sobre sua filha escolhida...

Quem mais aí vive uma grande mentira?

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