sábado, 31 de janeiro de 2015

Ramelona do rolê

Tudo pronto. Tudo certo. Vestido? Ok. Sandalhinha? Ok. Acessórios? Ok. Maquiagem? Ok. Bolsa? Ok. Documentos, cartões e dinheiro? Ok, ok e ok. Bora sair então? Bora! A noite na cidade grande clama por companhia constante. Tranco bem a porta, dou duas voltas à chave e confirmo, forçando a maçaneta, se esta está bem trancada mesmo. E está. Ponho os pés na rua. Dou doze, treze passos e... KABRUUUM!!! Cai mó chuva sobre mim. Tudo errado, molhado e ensopado. Volto pra casa fazendo biquinho e xingando todos os santos. Maldita cidade do cão!!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Uma pitada de auto-ajuda (ou O Clichê que A Gente Não Deveria se Esquecer)

Viver não é fácil, se fosse não seria vida, seria uma outra coisa maldita.

Os problemas existem para serem resolvidos. Sem problemas, a gente não teria sentido.

Às vezes parece que tudo de ruim cai sobre a gente de uma vez. Numa espécie de avalanche de ódio acumulado da gente mesmo e de outrem.

Às vezes parece que a gente não vai dar conta da coisa. Pensamos que essas coisas ruins nos sufocarão, nos derrubarão de vez e sem piedade.

Nós pensamos assim e isso é errado.

O certo é pensar que não fomos derrotados.

Se a gente aguentou até aqui, firmes e fortes, então o que vier pode vir que a gente suporta; podemos cair sim, podemos desmoronar no chão duro e frio, mas a gente se levanta, pô! A gente sempre se levanta.

Somos mais fortes do que a gente imagina.

Quer uma prova?

Ora, se você está lendo este recado, quer dizer que você está vivo, não é?

Então, você quer uma prova mais óbvia do que essa?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

CUZINHO FUGITIVO

Corre a passos curtos,
Mas ligeiro,
Criaturinha branca aveludada.

Corre toda pelada e apressada.
Estará, criatura, atrasada?

Corre a toda sem olhar para trás;
Corre de um jeito que lhe satisfaz.
Criatura, pra onde vais?

Criatura não tem condão,
Mas lembra e muito o algodão.
Seu pelo reluz por inteiro.
Criatura, que corre, será um coelho?

Coelho corre apressado,
Visivelmente determinado,
Talvez para não chegar atrasado
Ou, quem sabe,
Talvez foge porque é perseguido...

Coelho corre preocupado,
Não há dúvidas quanto a isso,
Ele ruma à sua toca-túnel para outros mundos!

Bobagem esses meus achismos,
Baboseira tremenda esse meu fanatismo.
Coelho corre mesmo é de medo:
Estão de olho vivo é no seu lindo traseiro!
Estão querendo lhe arrombar os nervos!

Corre!
Corre, pequeno companheiro!
Empalado será se for pego.

Não importa o tamanho do chamego,
Que lhe vem por trás guloso a lhe perseguir,
Pau d’alho no rego não é refresco
E ti deixará mais doido
E dolorido
Do que o cu do Chapeleiro!!

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Um poema (triste) de amor

Às vezes, quase sempre,
me pego sorridente...

Você
me vem a mente
assim
de repente.

E eu fico recordando
de você,
quase aos prantos,
me dizendo
que não estamos mais dando...

Aí, não tem jeito,
choro mesmo –
eu também não me aguento.

Mas nessas vezes,
quase sempre,
que mesmo não te vendo mais,
basta eu fechar bem os olhos e
você tá lá
me dando colo –
toda sorridente.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

ZUMBI SMARTPHONE

Caminhava a passos lentos, criatura, por mim vista, perambulando pela rua. Era noite. Noite de verão. Clima seco, sem previsão de chuva; tempo de insolação. A criatura cambaleava feito bêbado contido no meio da estrada. Seu corpo estava putrefato, em alta decomposição; suas vestes, de última moda, faziam-na se camuflar entre os transeuntes do centro da cidade – muita gente sem se tocar do grande aparte. Porém, um sinal, que poucos reparavam pra ver, destacava-a dos demais: seu rosto curvado era assustadoramente iluminado por uma luz branca sinistra e artificial. A criatura sorria de vez em quando. Seu sorriso era de louco. Um sorrisinho amarelo de gente abatida, de gente que sofre de alguma verminose-decote. A criatura também manifestava uns biquinhos, desconjuntava os próprios lábios, parecia também sofrer de algum enfado grave. A criatura andava e não olhava para os lados, sempre seguia em frente com a cabeça cabisbaixa reluzente. Aquela visão me dava medo. Mesmo eu não sentindo um perigo direto, aquela coisa era de arrepiar os cabelos. A criatura dava seus passinhos e de tempos em tempos se ouvia uns tenebrosos assovios. Passei ao lado dela, ela não me viu, e eu, intrigado, a segui, com a minha arma em punho, óbvio. Ela, a criatura, parecia andar sem rumo. Contudo, após uma boa caminhada, percebi o intuito: próximo a um viaduto, elevado feio e sujo, outras criaturas tipo ela se acotovelavam. Era gente de todo tipo, de toda faixa etária, gênero e classe social. Todos ali estavam condenados e não pareciam se sentir assim. Todos sorriam, pareciam mesmo se divertir. Eu estava assustado... De repente, me vi envolvido! Eu não via mais ninguém igual a mim. Todos ali estavam hipnotizados, todos caminhavam cabisbaixos, arrastando os pés em um mesmo compasso abafado. Sentia-me no meio das tropas inimigas, sentia-me no meio da torcida rival. Por sorte, eles não repararam em mim. Todos ali estavam compenetrados, absortos, de olhos baixos, fixos no chão parecendo receber alguma instrução do além indizível. Porém, não vacilei. Mantinha-me em alerta constante, preocupante. No meio dessa multidão, aquele assovio irritante foi ganhando proporções épicas de um eco alucinante. Ainda bem que eu estava com meus protetores intra-auriculares. Se antes não disse, digo agora que eles acompanham a minha querida arma. Arma esta espacial radiofônica de fritar miolos de mortos-vivos. Eu estava sozinho.  Eu precisava resolver logo aquilo. Minha querida cidade sofria de uma espécie de mutação às avessas. Aquelas coisas, outrora digníssimos cidadãos, estavam se alastrando a todos os cantos, vielas e becos de minha querida cidade. Se existia cura, eu não sabia de sua existência. Eu precisava exterminar logo aquilo. Em meio a eles, tomei partido. Agarrei um do meu lado e tentei purificá-lo. No chão nos debatemos. Nisso, uma espécie de dispositivo eletrônico se desprendeu dele. E, logo em seguida, eu vi aquele ser nefasto parecer estar se curando automaticamente: seu corpo, bem na minha frente, parecia estar se recompondo suavemente e aquela luminosidade estranha na face de antes parecia estar desaparecendo... Corri para apanhar o dispositivo que se soltou dele, receei que ele fosse pisoteado pela multidão infectada. Eu precisava analisá-lo. Quando eu o apanhei em minhas mãos, aquele troço, além de vibrar bastante, soltou um assovio diferente e muito mais alto daquele chatinho e baixo, era um alarme, logo apercebi. Todos ali postados de pé a andar pararam de se mover. O dono do aparelho, já de pé, olhou fixamente para mim. E ele parecia não estar lá muito contente. Correu de encontro a mim numa ferocidade e numa velocidade impressionantes. Entendi logo a intenção dele e não titubeei, saquei a minha arma e disparei. Sua cabeça, estourei. Nisso, no mesmo instante, aquele seu dispositivo desgarrado, que estava na minha outra mão, se dissolveu, se desintegrou completamente. Confirmação: aqueles dois estavam interligados, era algum troço tipo simbiose, um dependia do outro pra sobreviver. Essa minha dedução foi rápida. Entretanto, os demais zumbis, que estavam ali, foram mais ligeiros: eu estava cercado, todos finalmente pareciam olhar para mim e todos horrivelmente mal-humorados. De cara feia não tenho medo. Saquei a minha outra arma e, com as duas, que são gêmeas siamesas de primeiro grau espectral, desembestei em disparar sem dó nem piedade. Quem fica encurralado e é corajoso pra valer, manda todos se foder!! Eu fodi com todos aqueles desgraçados bem ali. Nem com as criancinhas e velhinhas tive pena. Eram eles ou eu. E todos ali já estavam condenados, bem mais pra lá do beleléu. Só agi mais rápido do que aquela força manipuladora que os controllevavam. Fiz um baita estrago. Exterminei geral. Claro que não saí totalmente ileso, eles eram centenas. Porém, saí vitorioso, acabei com todos mesmo eu ficando todo sujo, assanhado, mordido, rasgado e empapado de sangue meu e alheio. Tudo isso foi só o começo. Muita coisa tinha de ser feita ainda. Eu tinha que ir atrás da fonte disso tudo. Em outra transmissão continuo o meu relato. Ou não. O perigo existe. É real. Cuide-se aí. Fim desta transmissão.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

TENDÊNCIA AO TÁRTARO

Sou ser de mergulhos profundos...
Meu reduto fica em recônditos escuros.
Não sou de planar sobre a superfície
E nem sou de ascender à claridão.

Nas trevas encontro a Verdade,
A Verdade que poucos sabem e querem ver.
A mentira é rasteireirosa
E se esparrama úmida no alvorecer.

Tendo ao Tártaro desde pequeno,
Sempre fui sozinho sem quem me querer bem.
Nunca fui de me envolver,

Mesmo quando já grande feito gente.
Minha conduta é tipo uma luta primordial.
Sou de outros tempos, por isso esse meu carma ancestral.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A fumante de óculos escuros

Há quem diga que viver vale à pena. Verdade verdadeira. Porém, em tempos de bundões, ou de politicamente corretos, viver se torna uma questão de prudência, sobrevivência. Quem arrisca, petisca, mas morre cedo e muito mal. Vivemos tempos de grande exposição, mas cuidar da própria saúde é necessário e muito recomendável. Não devemos vacilar, regrados devemos viver, sem excessos e possessos. Contudo, se você é humano, que nem eu, e não um robô programado por e para esta sociedade de agora, tu deves cometer uns excessos. Falo sério. Viver é se arriscar, dar a cara a tapa e aproveitar, gozar. Não tem como negar, existe por aí muitas coisas que nos faz mal, muito mal. Mesmo assim, dentre essas coisas, tem outras que nos faz bem – um mal que nos faz bem. O cigarro é um bom exemplo. Quem fuma sabe, não há coisa tão tóxica que dá barato relaxante assim tão barata e de fácil aquisição. A nicotina dá prazer, porra! Quer um exemplo melhor? Então, preste atenção no meu causo. Próximo ao meu trampo, faz um tempo, andei reparando numa moça. Ela bate um rango no mesmo restaurante que eu costumo frequentar. Reparei que ela come de tudo, não tem frescura, mas come pouco. Ela não faz aquele montinho de pedreiro, entende? Notei que ela come com calma. Parece até uma monja budista quando mastiga sua refeição. Coisa essa realmente curiosa de se ver, diga-se. Contudo, o mais curioso mesmo é o que ela faz depois do saudável almoço. Ela fuma. Bem, até aí, nada de anormal, certo? Muita gente faz isso. Porém, ela o faz de um modo assim sistemático. Ela saca de sua bolsinha uma pequena latinha. Nesta, ela guarda seus cigarros devidamente embrulhados junto com os isqueiros estilizados. Ela pega um cigarro do saquinho. Ela o cheira. Ela o acaricia como se fosse uma iguaria única, rara que mereça um cadinho a mais de tempo pra ser consumida, degustada. Ela põe o cigarro na boca cheia de batom, dá leves mordidinhas nele, roda-o com a língua. Ela agita o isqueiro freneticamente. A chama que sai é grande demais para aquele troço tão pequenino e cheio de combustível. Ela acende o menino, enfim, e dá umas longas baforadas. Tudo de leve, numa boa, demora pra tirá-lo da boca pela primeira vez. E ela vai nesse ritmo, fumando com gosto, olhando para o nada, concentrada nas baforadas. Ela, às vezes, é lúdica. Tem vezes, não sempre, que ela faz aquelas aureolas com a fumaça do cigarro, sabe? Anéis de fumaça pelo ar. Muito habilidosa essa moça. E sabe mais? Ela gasta mais tempo fumando do que comendo. Se o cigarro é a sobremesa, ela o aprecia como prato principal. Se ela tem uma hora de almoço, não tenho certeza, mas, pelo que reparei, em vinte minutos ela come, nos outros quarenta ela fuma. E sempre só um cigarro, nada mais nada menos. Andei de olho nessa mulher e nesse seu ritual diário por uns bons meses. Quando estava quase fazendo um ano de observação contínua, não resisti mais e fui abordá-la com aquela desculpinha sacana de lhe pedir fogo. Detalhe: eu não fumo. Comprei um maldito maço do mais barato só pra fazer essa descarada abordagem. Acho que ela até desconfiou disso, quando acendi aquela porra e me engasguei horrores quando eu dei as primeiras baforadas... Enfim, puxei papo com ela e, poxa vida, até que foi agradável, viu, apesar daquela fumaça tóxica e mortal nos envolvendo. Falamos sobre o tempo, sobre o transito, sobre os protestos e sobre os cigarros, claro. Aí, aproveitei a deixa e a interpelei sobre esse ritual diário dela e tal – eu confessei que a observava. Ela me disse, na maior simpatia e boa vontade, que sofria de uma doença terminal, tinha câncer na garganta. Assustado, fiz a pergunta idiota do então por que dela ainda fumar todo dia. Ela me confessou que só fumava um, justo aquele um cigarro por dia, e nenhum outro mais. Aquele era o seu único prazer, o seu único momento especial durante todo o dia, nada mais. Ela me disse isso com um sorrisinho triste, fraco e com os olhos meio que marejados de lágrimas. Bem, acho que estavam marejados... Depois disso, ela pôs uns óculos escuros. Consultou as horas em seu celular e me disse adeus, assim, de repente, e com um beijinho seco na minha bochecha direita. Fiquei surpreso com aquele gesto de carinho espontâneo e genuíno e meio que preocupado também, não conseguia entender o porquê. Fiquei com aquela imagem e com uma sensação estranha o resto do dia. Mal dormi à noite. Noutro dia, que era uma sexta-feira, não a vi no restaurante de sempre e nem no lugar aonde ela costumava sempre fumar. Fiquei ainda mais preocupado. Por sorte, ou melhor, por memória, nesse tempo todo em que eu a fiquei observando, eu já sabia onde ela trabalhava. Era bem próximo do meu trampo até, umas três quadras só. Passei lá depois do meu expediente e, chegando lá, a porrada: ela tinha falecido. E naquele mesmo dia em que eu finalmente a abordei, ou seja, ontem! Fiquei em choque, baqueado pra valer. Depois me disseram mais coisas sobre ela. Ela tinha a mesma idade que a minha, morava só, não tinha filhos, os pais já tinham morrido, os parentes, todos, estavam espalhados em outros países e, se tinha amigos, eram muito poucos ou quase que nenhum, desconhecidos. Ela era muito fechada, reservada, não tinha uma turma pra chamar de sua. Tentei saber do enterro, mas ninguém sabia de nada. Passei o fim de semana pensativo. Eu era muito parecido com ela, afinal. Eu também estava sozinho nesta terra, nesta vida. E na segunda-feira seguinte, depois do meu almoço, eu comecei a fumar. Fumo só e unicamente um cigarro por dia, nada mais nada menos que isso.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O amor é um rato



À amiga Janaina Barboza,

Eis aqui mais um poeminha inspirado em um de nossos bate-papos despretensiosos:



O amor é um rato
Que rói,
Desesperado,
O coração partido rejeitado.

O amor é um rato
Solitário
Remoendo as sobras de um passado.
Passado sem volta,
Revoltado.

O amor é um rato
Pequeno e
De dentes bem afiados,
Enfileirados,
Ávidos em roer o que lhe aparecer
Por bem querer
Ou sem (querer).

O amor é um rato
Que muitos preferem ignorar,
Fingir que não existe,
Porém todos sabem –
Pode aí perguntar –,
Ele infesta os nossos esgotos
Fétidos de desgosto,
Mágoa e
Disse me disse –
Reduto de imundices.

O amor é um rato
Morto
Numa margem de merda.