segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

ZUMBI SMARTPHONE

Caminhava a passos lentos, criatura, por mim vista, perambulando pela rua. Era noite. Noite de verão. Clima seco, sem previsão de chuva; tempo de insolação. A criatura cambaleava feito bêbado contido no meio da estrada. Seu corpo estava putrefato, em alta decomposição; suas vestes, de última moda, faziam-na se camuflar entre os transeuntes do centro da cidade – muita gente sem se tocar do grande aparte. Porém, um sinal, que poucos reparavam pra ver, destacava-a dos demais: seu rosto curvado era assustadoramente iluminado por uma luz branca sinistra e artificial. A criatura sorria de vez em quando. Seu sorriso era de louco. Um sorrisinho amarelo de gente abatida, de gente que sofre de alguma verminose-decote. A criatura também manifestava uns biquinhos, desconjuntava os próprios lábios, parecia também sofrer de algum enfado grave. A criatura andava e não olhava para os lados, sempre seguia em frente com a cabeça cabisbaixa reluzente. Aquela visão me dava medo. Mesmo eu não sentindo um perigo direto, aquela coisa era de arrepiar os cabelos. A criatura dava seus passinhos e de tempos em tempos se ouvia uns tenebrosos assovios. Passei ao lado dela, ela não me viu, e eu, intrigado, a segui, com a minha arma em punho, óbvio. Ela, a criatura, parecia andar sem rumo. Contudo, após uma boa caminhada, percebi o intuito: próximo a um viaduto, elevado feio e sujo, outras criaturas tipo ela se acotovelavam. Era gente de todo tipo, de toda faixa etária, gênero e classe social. Todos ali estavam condenados e não pareciam se sentir assim. Todos sorriam, pareciam mesmo se divertir. Eu estava assustado... De repente, me vi envolvido! Eu não via mais ninguém igual a mim. Todos ali estavam hipnotizados, todos caminhavam cabisbaixos, arrastando os pés em um mesmo compasso abafado. Sentia-me no meio das tropas inimigas, sentia-me no meio da torcida rival. Por sorte, eles não repararam em mim. Todos ali estavam compenetrados, absortos, de olhos baixos, fixos no chão parecendo receber alguma instrução do além indizível. Porém, não vacilei. Mantinha-me em alerta constante, preocupante. No meio dessa multidão, aquele assovio irritante foi ganhando proporções épicas de um eco alucinante. Ainda bem que eu estava com meus protetores intra-auriculares. Se antes não disse, digo agora que eles acompanham a minha querida arma. Arma esta espacial radiofônica de fritar miolos de mortos-vivos. Eu estava sozinho.  Eu precisava resolver logo aquilo. Minha querida cidade sofria de uma espécie de mutação às avessas. Aquelas coisas, outrora digníssimos cidadãos, estavam se alastrando a todos os cantos, vielas e becos de minha querida cidade. Se existia cura, eu não sabia de sua existência. Eu precisava exterminar logo aquilo. Em meio a eles, tomei partido. Agarrei um do meu lado e tentei purificá-lo. No chão nos debatemos. Nisso, uma espécie de dispositivo eletrônico se desprendeu dele. E, logo em seguida, eu vi aquele ser nefasto parecer estar se curando automaticamente: seu corpo, bem na minha frente, parecia estar se recompondo suavemente e aquela luminosidade estranha na face de antes parecia estar desaparecendo... Corri para apanhar o dispositivo que se soltou dele, receei que ele fosse pisoteado pela multidão infectada. Eu precisava analisá-lo. Quando eu o apanhei em minhas mãos, aquele troço, além de vibrar bastante, soltou um assovio diferente e muito mais alto daquele chatinho e baixo, era um alarme, logo apercebi. Todos ali postados de pé a andar pararam de se mover. O dono do aparelho, já de pé, olhou fixamente para mim. E ele parecia não estar lá muito contente. Correu de encontro a mim numa ferocidade e numa velocidade impressionantes. Entendi logo a intenção dele e não titubeei, saquei a minha arma e disparei. Sua cabeça, estourei. Nisso, no mesmo instante, aquele seu dispositivo desgarrado, que estava na minha outra mão, se dissolveu, se desintegrou completamente. Confirmação: aqueles dois estavam interligados, era algum troço tipo simbiose, um dependia do outro pra sobreviver. Essa minha dedução foi rápida. Entretanto, os demais zumbis, que estavam ali, foram mais ligeiros: eu estava cercado, todos finalmente pareciam olhar para mim e todos horrivelmente mal-humorados. De cara feia não tenho medo. Saquei a minha outra arma e, com as duas, que são gêmeas siamesas de primeiro grau espectral, desembestei em disparar sem dó nem piedade. Quem fica encurralado e é corajoso pra valer, manda todos se foder!! Eu fodi com todos aqueles desgraçados bem ali. Nem com as criancinhas e velhinhas tive pena. Eram eles ou eu. E todos ali já estavam condenados, bem mais pra lá do beleléu. Só agi mais rápido do que aquela força manipuladora que os controllevavam. Fiz um baita estrago. Exterminei geral. Claro que não saí totalmente ileso, eles eram centenas. Porém, saí vitorioso, acabei com todos mesmo eu ficando todo sujo, assanhado, mordido, rasgado e empapado de sangue meu e alheio. Tudo isso foi só o começo. Muita coisa tinha de ser feita ainda. Eu tinha que ir atrás da fonte disso tudo. Em outra transmissão continuo o meu relato. Ou não. O perigo existe. É real. Cuide-se aí. Fim desta transmissão.

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