terça-feira, 16 de março de 2010

Encontro (des) marcado

É curioso quando revemos um amigo que há muito tempo não vemos, mais curioso ainda quando ele está mui diferente daquela figura singular que a nossa memória salvaguardou. Esses dias, por exemplo, reencontrei o tal figura. Ainda carregava um violão, mas não mais aquele troço lascado de antes. Não, dessa vez levava seu xodó numa capa protetora, e o instrumento lá depositado era novinho! Aquele seu primeiro instrumento, aquele que ele adquiriu barganhando sua cara magrela, não estava mais fazendo par com ele. E os dois eram tão unidos! Curioso casal, podes crer... Eh, meu saudoso amigo estava mudado. Não estava mais vestindo aquela camiseta folgada, larga duma banda gringa de Rock’ n’ Roll dos anos setenta - verdadeiro baluarte de seu fanatismo cômico -, nem aquele jeans rasgado nos joelhos e nos bolsos, tampouco calçava aquele par de tênis véio e sujo. O rapaz estava bizarro. Agora trajava uma camisa social de manga curta, cheia de listras verticais, uma calça cáqui e um belo par de um desses sapatênis da moda atual. Tinha se tornado evangélico, revelou-me. Fiquei espantado, claro, e acho que ele percebeu meu espanto. Enquanto conversávamos, eu tentava levá-lo ao passado, tentava fazer com que ele recordasse das situações toscas nas quais passamos, mas ele não se lembrava muito bem. Sete anos não é tanto tempo assim. Mas ele não se lembrava direito. Preferiu papear sobre o seu presente: estava freqüentando a Igreja semanalmente, e estava fazendo até um curso sobre empreendedorismo lá mesmo na Casa de Deus. Fiquei de boca aberta. Durante o bate-papo comentou que, graças a esse curso, estava pensando em montar o seu próprio negócio. Fiquei admirado e feliz, sinceramente, por ele. Ele não era tão sisudo assim. E lhe perguntei que tipo de negócio ele tinha em mente. Mas aí o figura se demonstrou reservado. Disse-me que não poderia dizer exatamente o que era, pois, se dissesse, o negócio não se concretizaria. Era assunto apenas dele com Deus... Fiquei magoado, confesso, e um bocado deprimido, mas, mesmo assim, compreendi a ressalva, o resguardo. Quando nos despedimos, o figura me convidou pra visitar sua Igreja. Disse-lhe que poderia sim passar lá para dar uma boa olhada – ele me passou, mais ou menos, o endereço do tal templo. Em casa, fiquei pensando sobre esse curioso reencontro, e sobre a tal Religião. Sou ateu e, apesar de ter já visitado um bocado de congregações, a convite de amigas caridosas e outros amigos inocentes, durante minha infância e adolescência, francamente, não me sinto acolhido verdadeiramente nesses ambientes coletivos. Acho tão estranho aquelas cerimônias participativas, aqueles rituais respeitosos. Por exemplo: numa noite dessas de verão, vi um grupo, pertencente a uma seita local, entoando seus cânticos evangélicos bem no meio da rua! Aquelas vozes vinham do trabalho, e aquele hino cochichado parecia uma espécie de mantra particular de refrigério coletivo. Tal louvor chegava a ecoar por toda a escuridão. Concluí: será que eles não percebem o quão assustadores são? Fiquei receoso quanto aquele grupo. Meu rabinho ficou, literalmente, entre as pernas. Eh; mas, pensando bem, talvez eu apareça por lá, no templo que meu saudoso amigo me convidou, só pra ver as velhas novidades! Eh, infelizmente, de uma coisa eu tenho certeza: perdi mais um querido amigo. Sinto receio por ele também...

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