sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

CIDADE ABANDONADA (2)


Ainda ando andando pela cidade

Porém, como dantes, ainda dá mó medo!

Pouca segurança eu vejo,

Trombadinhas aos montes reconheço

De um ou outro até o nome eu já sei!

De bicicleta andam

Uns de moto

E se passam por perto de mim

Logo corro!

Grito: Socorro!

Eu é que num paro não!

Fico mó apreensivo:

Bicicleta ou moto a visto, batata, é bandido!

 

Da crocolândia então

Melhor nem falar

Desgraça maior lá está

E ninguém faz nada

Ninguém se move

Tudo parado que nem poste!

Autoridade alguma suja as mãos

...

Vai ver estão esperando um doido

Tipo Coringa

Que sai à rua gargalhando ferozmente

Enquanto metralha, freneticamente,

Os passantes que passam à la zumbi

Por aqui tá tipo assim sabe

Quase uma Gotham City

  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

PSICOLÓGICO DESTRUÍDO


Não deu não dando

Fomos até lá e perdemos

Perdemos feio, choramos

Um país inteiro atordoado

 

Cabeça a mil, aloprado!

Professor já antevia os danos

Coisa essa de muitos anos

Não deu outra: eliminado!

 

Na volta, o mea-culpa de praxe

Umas lágrimas ali, outras acolá

Pra depois numas festas colá!

 

A vida é desbunde, ôxe!

Psicológico algum aguenta a pressão

Por isso, aliviar devo a tensão!

  

terça-feira, 29 de novembro de 2022

RAIVA REPRIMIDA


A maioria sabe como é

Vem lá de dentro

Bem lá do fundo

Cria-se uma sementinha

Basta uma fagulha

Um gatilho

E pronto

Estoura

Que nem pipoca na panela

Ou um tapa bem dado na cara

Ela brota

Extrapola

Ganha outras esferas

Outros tons mais escuros

Escusos

Quem a vê germinar assim

Diz repreender

Recriminam-na

Porém

Todos aí a tem no peito

Repito:

Basta uma fagulha

Um gatilho —

Toda bomba

Ora ou outra

Explode

Só não sabemos a hora

  

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

À DERIVA

Imagem: sputniknewsbrasil.com.br


À deriva

Vai o barco

Que bate forte numa ponte

A ponte não cai

Balança

Mas não cai

 

À deriva

Foi um país

Que batia forte a cabeça

Em si mesmo e em gente que não tinha nada a ver

A cabeça rachou

Doeu pra burro, houve muito chororô

 

Moral da história:

Ancore o seu barco;

Construa pontes, não as destrua;

Quem tem rumo certo, não tem dor de cabeça

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

UM PAÍS SEM GRAÇA


Imagine só

Um mundo sem mulher

Nas ruas não as vemos

Em casa estão

Prisão domiciliar

 

Imagine só

Todos os seus parentes na rua

Primo, irmão, mãe

Todos ali ao relento

E você aí só vendo

 

Imagine só

Um país sem debate algum

Só palestrinha, monólogos chatos e picuinhas

Em tudo que é mídia

Ouvida e umas que se fazem de muda

 

Imagine só

A alta da inflação

Um salário que não dá conta das contas

Um golpista como patrão

Um vírus pandêmico voltando ao picadeiro

 

Imagine só

  

terça-feira, 8 de novembro de 2022

A MÃO IMÓVEL

Imagem: colourbox.dk

A minha mão é fria

Muito fria

Quem a toca

Logo desencosta

Se assusta

Grita

Como se estivesse com medo

Pois realmente está

Desnecessário isso

Afinal

É só a minha mão fria

Muito fria

Quieta

E para sempre imóvel 


quinta-feira, 27 de outubro de 2022

GARRASTAZU

Imagem: mundoecologia.com.br


Lembro-me bem como se fosse hoje, coisa de agora mesmo. As pessoas estavam desaparecendo, não de forma natural, pois, pensando bem, desaparecer naturamente é a coisa mais natural que a gente, enquanto gente, ser humano vivente, faz. Mas estou divagando, estou perdendo o fio condutor da minha história. E é preciso reagarrá-lo. Donde estava? Ah, sim! Os sujeitos que sumiam. Estava eu sem destino, caminhante aí a pé pelo mundo. Passava eu por uma terra árida, seca, mais morta do que viva. Passava eu praticamente sozinho; gente como eu, nesse tempo, pouco eu via. Passava eu quase já me arrastando, meus pés e minha cuca ardiam: o sol era astro austero maior. Quando, de repente, vi na linha tremula do horizonte tremulo um elevado verde. Logo pensei que tinha endoidado. Como assim algo assim bem no meio do deserto donde estava? Solo rachado, árvores secas e, logo à frente, um montinho daqueles parecendo um imenso oásis no sertão? Eu estava delirando, óbvio! Supus isso e supus errado. Conforme eu continuava a dura e seca caminhada, eu ia vendo aquele tomo ganhando cume e corpo. Não me alembro direito quanto de tempo levei até ele, mas, a cada passo mais próximo dado a ele, mais eu via e percebia que aquela serra era real. Irreal mesmo eram as pessoas daquele lugar. Havia um lugarejo aos pés da serra; construções capengas, de morada e de comércio, eu vi erguidas por ali. Conforme eu me adentrava naquele lugar, mais eu me sentia vigiado e mal-vindo. Eu me senti inté como aqueles mocinhos-bandidos forasteiros dos filmes norte-americanos do tal velho-oeste que hoje ainda são vistos em grandes e diminutas telas. Enfim, eu me enfiava mais naquele arremedo de cidade-povoado, buscando algo de familiar, acolhedor, mas nada ali e nem ninguém se mostrou ser bom anfitrião. Era uma gente estranha. Não ti olhavam na cara e nem faziam as mesuras habituais de “bons-dias”, “boas-tardes” e “boas-noites” esperadas numa grande concentração de gente aparentemente civilizada. Metidos, logo pensei deles. Medrosos, logo vim a descobrir. Pousei numa bodega pra descansar, alimentar e hidratar o meu corpo fatigado e, logo vi, que o lugar tinha o mesmo clima desconfiatório da rua de fora. Fui atendido por um sujeito triste, nem novo nem velho, cinza, carrancudo, mas que me serviu eficientemente nacos de charque, pedaços de um pão duro desmiolado e uma moringa cheia de água fresca. Comi, bebi tudo bem na manha enquanto ficava de ouvido nas conversas, que mais pareciam grunhidos, pequenos cochichos, das pessoas que por ali também se pousavam. Nessa, vim a intuir que as pessoas de lá estavam desaparecendo misteriosamente. Ou, quando enfim reapareciam, só se via expostos partes, pedaços de seus corpos. Fiquei horrorizado. Inté me engasguei quando ouvi que inté criancinhas, meninos e meninas, estavam sumindo. Recuperado da gastura do engasgo, paguei a conta e fui saindo. Entretanto, já na rua, um tumulto se alastrava: “Levaram mais um!”, “Fulano sumiu!”. Aí, para a minha surpresa, me vi envolto, arrodeado por um mundaréu de gente. Se antes, o povoado parecia deserto, quando me acheguei nele, agora, do nada, estava abarrotado de gente gritando, esperneando, fazendo mó escarcéu pelo mais recente desaparecimento. “Algo há de ser feito!”, diziam. “Não pode continuar assim, não!”, vociferavam. “Mandem o forasteiro lá pra cima!”, repentinamente entoaram. E assim mesmo de supetão, meio contrariado meio obrigado, uma turba de gente braba me amarrou num pau de arara e me despachou como possível são salvador, ou oferenda, rumo ao cume da serra. O passeio foi sôfrego. O veículo era descoberto e, pra aumentar a minha desgraça, começara a chover. Não via o chofer na cabine, mas ele guiava a toda pelos caminhos serpenteantes do morro. Subi a serra com aquele barulho alto pra burro de motor velho nos ouvidos e uma forte chuva nos quengos. No topo, fui descarregado do carro por dois brutamontes que usavam toucas pretas na face, pra eu não ver seus rostos, deduzi. Esses, me desamarraram e partiram dali num pinote. No chão lamacento, pois chovia, tentei avaliar a minha situação: não era das melhores. Estava eu só numa região de mata e o clima não me favorecia. Tentei procurar o caminho por onde me trouxeram, mas todo o chão estava em poças, alagado. Meio zonzo, eu buscava com as vistas algum abrigo. Pra minha surpresa, vislumbrei umas construções bem mais à frente donde estava. Caminhei-me para lá, afundando as patas no lamaçal. Mais próximo das estruturas feitas por gente humana, fui percebendo que era um outro povoado ali posto. Contudo, estava um caos. Tudo revirado, meio destruído, bagunçado, parecia uma zona de guerra. Todas as casas não tinham teto. Apenas uma espécie de galpão, bem mais pro meio da vila, tinha uma cobertura. Fui até lá. Diante do grande portão de ferro do tal galpão, parei. Forcei-o um pouco, era bem pesado, mas o abri. Uma vez me pondo dentro, logo vi várias pessoas lá juntas ao fundo, olhando assustadas para o portão aberto, olhando fixamente para mim. Após fechar o grande portão atrás de mim, encarei aquelas caras veladas de medo. Percebi pequenos grupos desses bem rentes às paredes do ambiente, como se estivessem evitando a grande área vazia do vão da cobertura do galpão. E, antes mesmo que eu perguntasse qualquer coisa pra qualquer um ali, uma voz mais ao fundo, meio abafada, lançou-me uma pergunta: “Eles ainda estão lá fora?”. “Eles? Eles quem?”, respondi perguntando. “A chuva está passando!”, gritou outro sujeito lá do meio e, num segundo, ou menos, todos ali se agitaram, tremiam de todo e ficaram olhando pra todos os cantos do teto do galpão. De fato, a chuva passara; só os gemidos das pessoas ali reunidas se ouviam, mas esses logo se silenciaram quando um grande ruído de fora se avolumou. Um estrondo. Parecia um barulho de avião que quando passa, vai crescendo, crescendo, mais alto, mais alto. Barulho de asas batendo; abas abanando abanador. Foi de súbito, o teto todo veio abaixo; horror, desespero, umas aves enormes, sinistras, de porte de um homem adulto adentraram no abrigo! Eram muitas!! Cada uma pegava, com as suas garras, um ser vivente ali que tentava em vão fugir. Vi, em pleno ar, elas desmembrarem suas vítimas. As bestas tinham bicos curvados, uns amarelos, outros vermelhos, a maioria eram pretos. Donde estava, eu via a todos serem brutalmente dilacerados. A carnificina era geral. Quando me dei conta, só eu estava ali de pé diante do banquete macabro. Foi quando me encostei batendo no portão que as aves ali me aperceberam. Essas suspenderam a violação dos corpos-refeição e fixaram seus olhinhos negros brilhantes em mim. Gelei. Suei a frio. Porém, elas não se avançaram contra mim. Nada. Ficaram ali quietinhas, com fibras de carne humana e sangue pendendo dos bicos sujos. De repente, outro estrondo. Esse muito maior do que o anterior: era um grande gralhão. Aí eu o vi: pousando bem lentamente no meio das outras aves que lhe faziam roda, eu vi a criatura toda de penagem branca descer do céu negro sem estrelas e me encarar demoniacamente. Petrifiquei. Não esbocei sequer reação. Via a Morte bem diante dos meus olhos e já dava como certa a alma encaminhada. Eu arfava. Eu sentia o meu coração bater cá dentro do peito e reverberar no céu da minha boca. Eu me tremia todo. Era o meu fim, pensei. A criatura branca vinha a mim devagar, garra ante garra. Bem próxima de mim uns palmos, senti sua estatura: tinha mais de dois metros!! E continuava me encarando, assim meio de lado, desconfiando. Foi quando ela foi se achegando com aquele bico torto bem próximo à minha fuça que eu senti o tempo se suspender, parar de vez. Não me alembro de nada. Apagão. Branco. Em preto e branco eu via os meus dois braços finos, eu via as minhas mãos ossudas esgoelando a criatura!! E ela se debatia toda; desesperada, abanava aquelas asas imensas, aquela asa-delta alva e sacudia as patas freneticamente. Suas garras afiadas rasgavam o meu peito, a minha barriga, as minhas coxas e pernas, mas eu, sei lá como, não soltava não o seu pescoço. Pus toda a minha força, pus toda a minha vida em minhas mãos!! Não senti o estralo, quando as cores voltaram nas minhas vistas, foi que eu soltei o bicho e o vi se estatelar no chão; fez inté um barulhão. A criatura alada estava morta, nunca mais voaria e ali, vendo-a estendida, meio murcha, encolhida, senti uma coisa cá dentro de mim difícil de exteriorizar; me sentia aliviado, claro, cansado, exausto, mas também meio culpado, pecador, como se eu tivesse maculado algo sagrado, como se eu tivesse matado um inocente. Ainda de pé, meio encurvado, olhei pra frente e vi as demais aves do bando inicial ainda me olhando. Paradas estavam, paradas ficaram enquanto eu e seu ou sua provável líder nos embatíamos. Eu estava acabado, ensanguentado, arfante e ainda sentindo um medo da porra, mas, lá de dentro de mim, veio uma vontade urgente de gritar, rosnar, emitir qualquer rugido ou coisa assim do tipo. Pois gritei, rosnei, soltei o meu grito de vitória, ou pavor, sei lá, ainda não sei me explicar e, após esse meu ato primal, o bando de aves gigantes se avuaram dali. Olhando pra cima, eu as vi voando em círculos ali dentro do galpão e se arremeterem, uma a uma, aos céus novamente. O som que emitiam ficava cada vez mais distante, mais longe. Alívio. Ainda olhando para os céus, vi que o dia estava clareando; amanhecendo estava, enfim. Senti o corpo pesado, desmaiei. Capotei sobre o corpo inerte do monstro que acabara de matar. Quando dei por mim, me apercebi numa caverna, havia uns sons de gente conversando e um odor muito forte de alguma coisa que eu não fazia a menor ideia do que era. Sentia um calor gentil de uma fogueira próxima. Escuridão. Despertei novamente, vi meus cuidadores: uma gente simpática de trajes sumários lhes tapando uma ou outra parte mais frágil do corpo. Esses me levantaram e me saudaram. E foi aí que me apercebi meio que vestido com os restos mortais da criatura gigantesca que eu assassinara. Esse povo aqui me chama de Asa Branca. E é essa a minha história.



Observação

Conto confeccionado, porém, NÃO selecionado para o XV Concurso Nacional de Contos de Araraquara - "Prêmio Ignácio de Loyola Brandão".


terça-feira, 25 de outubro de 2022

A VERDADEIRA FACE

Foto de Eugenijus Kavaliauskas pega no Uol.com.br


Sempre esteve ali

Pra todo bom observador ver

Mas sempre a ignoravam

“Pequenina demais”,

“Insignificante”

Diziam todos aí em coro

Porém – agora – jogo virou

Graças a um obstinado

E um bom microscópio

A besta é enfim vista por todos

E até o tamanduá-bandeira foge afoito 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

A BOCA SEMPRE FOI UMA ESPADA DE DOIS GUMES

Imagem: facebook.com


Falar demais

Nunca é bom

 

Falar de menos

Também não,

Dependendo do momento

 

Quem cala

Consente

Dizem

 

Bobagem!

Quem de boca fechada fica

Sabe bem como aturar gente ridícula

 

— a boca sempre foi uma espada de dois gumes


quinta-feira, 1 de setembro de 2022

PENSANDO EM POSSES

Imagem: eusemfronteiras.com.br


ter calma exige paciência

ter paciência exige preparo

ter preparo exige comprometimento

ter comprometimento exige consciência

ter consciência exige experiência

ter experiência exige tempo

ter tempo exige trabalho

ter trabalho exige vida

ter vida exige nascer

mas morremos

não tendo e nem exigindo mais nada depois


terça-feira, 30 de agosto de 2022

A MINHA E A NOSSA AGRIDOCE CONDIÇÃO

Imagem: espacoconsciencia.com.br

A dor

Dizem

É de cada um,

Como se

A dor

Não fosse uma só,

Mas ela é —

E como é!

A dor

(É) de todos nós

Seres que,

Em certos momentos,

Se descobrem vivos.

  

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O HOJE AINDA É BEM-VIVO

Imagem: revistabudo.com.br

Olhando para trás

Quase nada

Eu vejo;

À frente,

Muito pouco consigo ver,

Mas aqui

No presente

Vejo tudo

Plenamente —

O hoje

Ainda é

Bem-vivo

  

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

UMA CRÔNICA TRISTE

Imagem: significados.com.br


A crônica é um gênero, é um tipo de texto que preza, na sua essência, no seu cerne, por assuntos mais leves, por temas mais amenos e até divertidos, engraçados de ler.

A crônica ideal tem que ser curta, breve, sem enrolação. Quem a lê, já logo a entende nas primeiras linhas, afinal, esse gênero textual, é próprio de jornal, impresso ou virtual, e lá, nesse ambiente rico em textos, quem por lá se embrenha, logo lê o que quer, ou o que lhe chama mais atenção, para, em seguida, ler outra coisa ou não, certo?

Pois bem.

Uma certa poética também é esperada numa crônica típica. Aí vai do gosto ou da capacidade inventiva, e imagética, do seu autor a adição desse “tempero” ou não na crônica — bons e maus cronistas são, ou deveriam ser, verdadeiros mestres nisso.

Contudo, porém, entretanto, tá muito complicado redigir uma boa e otimista crônica seguindo esses pressupostos aí de cima hoje em dia.

Cá no Brasil, e no mundo, excelentes humoristas, comediantes estão nos deixando deste plano físico para fazer graça em outros planos, em outras paragens metafísicas aí infinitamente existentes.

Fake news adoidado anda rolando a rodo aí pra tudo que é lado! Difícil está entender um e outro aí na praça. E este ano então, 2022, ainda tem um agravante: ano eleitoral eleitoreiro.

Há muita gente por aí e por aqui também passando fome e em situação de rua. Já estamos cansados de saber que a pandemia aí que passou, e ainda passa passando, agravou ainda mais uma situação vexatória existente em um país promissor que estava erradicando isso. Porém, não progredimos, atrasados ficamos e ainda estamos. Você aí que me acompanha aqui sabe bem: muitos prédios são aí construídos enquanto mais e mais gente não têm um teto sequer pra se abrigar.

Guerras e conflitos armados ainda são noticiados à exaustão e a violência urbana é cada vez mais uma certeza certeira que não tem fim!

E olhe que nem comentei sobre os preços das coisas aí no mercado, hein! Tudo indica que os anos 1990 estão de volta e junto com eles a inflação e o sequestro das contas bancárias dos fatídicos anos Collor!!

Até peço desculpas aí pra vocês leitores e leitoras amigas, mas precisava registrar aqui a mudança histórica do tom da crônica desta segunda década do presente século.

Tá difícil pra mim! E pra todo mundo.

Espero, de verdade, que esta seja a única crônica triste deste blog.

Anseio por tempos melhores.

Quero, desejo crônicas mais leves, mais divertidas e engraçadinhas como sempre deveriam ser.

Mas tá osso, viu!


segunda-feira, 15 de agosto de 2022

É RARO ENCONTRAR ALGUÉM PENSANDO

Imagem: blog.cicloceap.com.br

Quem aí me lê, sabe bem do meu hábito saudável e aventureiro de caminhar a pé pela cidade. Mesmo ela, a cidade, parecendo, cada vez mais, mais hostil e intransitável, com a violência urbana nas alturas e as calçadas parecendo verdadeiros campos minados de merda humana e animal e buracos de seres abissais, teimo em desbravá-la a pé, seja como uma forma despretensiosa de lazer ou como desculpa crível para arranjar um mote para uma crônica ou para um poema.

E esta crônica se encaixa perfeitamente nesse caso.

Sem um tema sequer na cabeça, saí à rua em busca de um. Saí aberto ao que a cidade me oferecia, vendo tudo e todos, ouvindo de tudo um pouco e sentindo a vida ao meu redor. E, nem precisei andar mais de duas quadras pra perceber o que há muito eu não percebia: gente pensando.

Explico-me: estava eu lá andando e de repente, sempre é de repente, avisto uma mulher sentada de costas para mim numa mesa de calçada num restaurante de esquina. A menina estava só e, por mais incrível e fantástico demais que possa parecer, estava sem o celular de estimação (ou do ladrão) na mão e olhava para cima, naquela posição típica de estar pensando em algo, sabe? Cabeça de lado, nariz levemente empinado, saca?

Confesso que achei essa postura dela inacreditável! Sério mesmo. Quando foi a última vez que vi alguém assim pensando? Não me lembro. Não me recordo. Só vejo gente olhando pro próprio celular ou do alheio e até muitas vezes confundindo o aparelho com um sanduiche vegano — sério, cara; já vi gente segurando um e outro em cada mão e deslizando o dedinho sujo no pão-baguete e mordiscando que nem hamster fominha o último lançamento sul-coreano!

Mas enfim. Voltemos à mulher pensando, ou melhor, voltemos às gentes que pensam livres pela rua. Aquela cena foi um baque. Onde mais há gente assim, pensando?

Andei mais duas quadras e nada, ninguém.

Andei dois quilômetros, quatro, nada, nada.

Nem mesmo nesses bairros descolados (leia-se endinheirados) encontrei aquelas pessoas ditas intelectuais que mordem uma perninha de seus óculos maneiros quando estão pensando ou fazendo uma observação digna de nota.

Ao menos encontrei a máxima que é o título desta humilde crônica.

  

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A SABEDORIA SABE

Imagem: brasilescola.uol.com.br


Estar

No lugar errado

Na hora errada

É mais comum

Do que se pensa

 

Estar

No lugar certo

Na hora certa

É menos comum

Do que se imagina

 

Todo lugar

Toda hora

São possibilidades possíveis

E impossíveis

 

Disso eu sei muito bem

 

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

VERTICALIZAÇÃO

Imagem: dvdsofaepipoca.blogspot.com

        Parece até coisa de anime japonês (Neon Genesis Evangelion) ou coisa de filme norte-americano de ficção científica (2001: Uma Odisseia no Espaço), mas, fato é: enormes torres, grandes monólitos, estão surgindo do chão, ou do nada mesmo, em todos os cantos da cidade.

        As estruturas de metal e o concreto armado de numeração raspada estão pipocando geral no horizonte da cidade cinza, tornando-a ainda mais cinza e cada vez mais sem horizonte algum.

        Pode ver aí: prédios e mais prédios, enormes condomínios simplesmente aparecem em cada quarteirão megavalorizado, ou não, da cidade de São Paulo.

Existe até um padrão. Repare bem: a cada mercadinho da Oxxo que surge, ou da franquia-cubículo da The Coffee que se concretiza estrategicamente numa rua, ou numa esquina, ou num beco, uma “nova oportunidade de negócio”, ou “o lançamento do ano”, ou “o empreendimento imobiliário de que todo mundo tá falando”, tá lá também lhe desejando boas-vindas com uma maquete bonitinha, ou um vídeo virtual de realidade aumentada, ou com aquela minhoca de pano fino que se retorce toda com um jato de ar quente que mais parece aquele bonecão de posto de gasolina à lá Cristo Redentor, porém, sem os braços.

E como são esses novos prédios? E como são esses novos condomínios prometidos? Ora, você aí já sabe! São empreendimentos direcionados para quem pode pagá-los. Quem realmente precisa de moradia digna, e é muita gente, viu, não têm essa “sorte”.

Mas repare bem nesses futuros condomínios. Um ou outro tem porteiro físico; tem um cara ou uma mina lá de prontidão. Contudo, a tendência é portaria remota, isto é, quem tá ali é um aparelho tipo interfone que te conecta com alguém que tá sabe-se lá onde, que te escuta mó mal e que tá pouco se lixando se você é cadeirante ou se você até tá cadastrado no sistema deles e tal, mas, se a sua digital não tá funcionando direito, isso é um problema só seu, compreendes? E ainda tem aquelas caixas de vidro, aqueles aquários humanos de quando você se adentra pelo portão do prédio e fica lá esperando que abram o próximo portão e passa por esse para depois passar por um outro, sabe? Segurança sempre em primeiro lugar é claro.

 Enfim, acho que estou me estendendo por demais nesta crônica. É necessário concluí-la. Tudo isso aí dito é preocupante. A cidade inteira está se fechando. Tem muito condomínio por aí que se fecha inteiro para uma rua e que se fecha em si mesmo, sabe? Você aí deve conhecer um. Mas aí te pergunto: isso é civilidade? Isso é realmente um sinal de progresso? Até hoje acho estranho, quando tô ali no metrô sentido estação Corinthians-Itaquera e, da Patriarca ao Artur Alvim, à esquerda eu vejo aquele morro repleto de casinhas, sobrados e, de repente, bem no meio desses, um troço estreito, que mais parece uma imensa barra de chocolate do Willy Wonka lá fincada destoando geral da configuração local. Vejo aquilo e penso: tem coisa muito errada aí. Será uma invasão extraterrestre? Será?

 

quinta-feira, 7 de julho de 2022

O Bagaço da Laranja Mecânica

Imagem: Seda vegana feita com o bagaço da laranja / hypeness.com.br

Quem aí, como eu, têm o saudável e aventureiro hábito de andar a pé pela cidade já deve ter reparado numas obras de grande porte que estão mudando, drasticamente, a rotina da comunidade do entorno.

        Que fique claro: não estou falando dos prédios, das enormes torres, dos condomínios-formigueiros que estão brotando a rodo pela cidade (disso podemos falar em um outro post), falo é mesmo do metrô.

        Uma tal de Linha 6-Laranja está ganhando cara e forma pela cidade. Numa rápida pesquisa no Google dedo-duro você encontrará muitos problemas, muitos perrengues relacionados a esse futuro ramal do Metrô. O da enorme cratera cheia até o topo de esgoto ao lado da Marginal Tietê é o caso mais recente e o mais midiático. Contudo, se você aí pesquisar mais a fundo, quase chegando ali na borda da dark web, você verá outros podres: essa linha é promessa desde 2012, as obras só começaram em 2015, e está prometida sua conclusão, até o momento, para 2025; o imbróglio, ou o empurra-empurra, é coisa da direita (desculpa aí pessoal da direita), Serra, Kassab, Alckimin e Doria já embalaram esse bebê de Rosemary; e há umas paradas aí da Lava Jato, de superfaturamento e da troca de concessionária que é melhor nem comentar!

        Melhor falar da linha em si. Tá lá: terá 15 km, 15 estações. Ligará o Centro (São Joaquim) até à Brasilândia (Zona Norte) e fará conexões (sugestiva palavra) com as linhas 1-Azul e 4-Amarela do próprio Metrô e com as linhas 7-Rubi e 8-Diamante do pessoal lá dos trens – não sei mais quem tá administrando a antiga São Paulo Railway.

        Agora, leitora e leitor amigos, se possível, peguem o mapa da tal linha. Vocês verão algo muito legal, muito interessante: da São Joaquim, que é bem aqui próximo de casa a propósito, a linha pegará parte da Liberdade, bairro turístico muito popular ultimamente; passará ali na Bela Vista, ou seja, o Bixiga (bairro mítico paulistano) ficará mais acessível, quem aí curte massa tá ligado; passará lá no Higienópolis-Mackenzie, na Angélica-Pacaembu e na PUC-Cardoso de Almeida, que é lugar de gente “diferenciada” e tal, mas o Estádio do Pacaembu, felizmente, ficará mais acessível também; passará pelas Perdizes, pela Pompeia, pela Água Branca, aproximando o italiano e um SESC ainda mais da gente; e, cruzando o Tietê, passará pela Freguesia do Ó, lar de uma Meca nordestina e, ainda, seguirá até a querida irmã Brasilândia.

        Mas por que raios estou a dizer tudo isso, vocês aí se perguntam me perguntando, ou não, vai saber. Simples: eu vejo o futuro! Vai vendo: essa linha, apesar dos pesares passados e dos vindouros, implicará umas mudanças radicais na cidade. Vocês aí conseguem ver também? Umas dicas: se os cabeças que administram essa porra toda, insistir em se amigar com a especulação (que é quase uma ejaculação) imobiliária, elitizando bairros antes industriais, por exemplo (oiê, Barra Funda!), e não concretizando de vez o que está escrito bem bonitinho lá no Plano Diretor e fazer boas moradias populares, para quem realmente precisa, quer e pode pagar, a nossa cidade, essa megalópole, continuará injusta, discriminatória e lar doce lar de poucos, muito poucos privilegiados, entendes?

        Prevejo muita coisa boa num futuro próximo, e gostaria, quero, que muito mais gente tenha acesso a isso. O futuro não é de Deus, é nosso!

 

terça-feira, 5 de julho de 2022

MUNDO INVERTIDO

Imagem: technewsbrasil.com.br

Ultimamente

Andam me perguntando

Se eu já vi

O mundo invertido

 

Respondo

De bate e pronto

Que sim claro

Eu o vejo todo dia:

 

Nas calçadas

De todos os bairros da cidade

Gente dormindo

Ou defecando

Enquanto outros passeiam com seus cachorros

Que não dormem

Mas cagam

 

Nas ruas

Sinal vermelho

Carro, moto, caminhão

Passam atropelando qualquer cidadão

Enquanto isso em outro cruzamento próximo

Sinal algum há

Pois roubaram os fios

Engenharia alguma dá conta disso

 

Nos mercados então

Tá tudo caro

Pouco se leva

Quando dá

Enquanto muitos aí

On-line

Mostram-se vivendo feito marajá

 

Eu sempre vi vendo

O mundo todo invertido