quinta-feira, 31 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_PÉTROS, QUINDJIN E RASTAFANNY_CAPÍTULO XXVI

"Trônus era a fenda..."

Próximo a Trônus, Pétros e Rastafanny foram. Trônus era a fenda por onde os primeiros demônios da fome saíram desembestados, ávidos por carne humana ainda em pânico. Essa fenda era a passagem subterrânea que dava acesso ao Reino dos Demônios. Por lá, Pétros e Rastafanny se meteram. Eles não tinham medo de demônios. Os dois já tinham eliminado vários durante vários anos. Entre pedras e cavernas eles se enfiaram. Os humanos, os anjos e os demônios que trombavam com eles eram rapidamente assassinados e deixados ao léu – os dois estavam empenhados em conseguir logo a última Quindjin que se tinha notícia. Na cabeça de cada um, desejos gastronômicos despudorados povoavam-nas avidamente num turbilhão crescente de gula e fúria. Numa caverna toscamente encoberta por tralhas de um passado moderno extinto, eles encontraram, solitária e de brilho fraco, a última Quindjin.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

SOMOS TODOS ABORÍGENE

Foto: Mother Ganga, de Deleigh Hermes, National Geographic Travel Photo Contest 2019

têm gente que não consegue
assim se relacionar
com o que não se vê
mas sente
na pele
na mente
para essas, meus irmãos
digo apenas:
não se preocupem, não
tudo e todos têm
uma razão, um sentido
satisfação
não precisa não afobação
agora,
para os outros
esses que sentem tudo
e mais um pouco;
para esses que creem
e não arredam
e se entregam totalmente
peço, só um obséquio:
creem também no Homem,
pois é ele que têm fome;
é ele que sofre
como você também
morte
faz dele um deus
quem sabe assim
esta nossa raça vingue —
somos todos aborígene

terça-feira, 29 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_PÉTROS, QUINDJIN E RASTAFANNY_CAPÍTULO XXV

"Aí o desejo individual falou mais alto na pança grotesca de cada um."

Quando se vive com fome, pouca coisa importa além disso. Quem tem fome, quer matá-la logo; quem tem fome, só pensa em se saciar, se empanturrar de vez. Pétros e Rastafanny eram homens desse naipe. Guerreiros que eram, rondavam os desertos de Soberano caçando, torturando e executando pessoas para aplacarem sua fome de carne e sangue humano. Os dois tinham certo parentesco, porém não tocavam muito no assunto. Eles só queriam continuar matando e devorando a carne e os ossos dos coitados que iam encontrando. Esses dois até que eram bem unidos, dividiam igualmente as carcaças e as tralhas que sobravam de suas vítimas. A relação de ambos só se complicou mesmo quando eles souberam da existência de um Quindjin. Aí o desejo individual falou mais alto na pança grotesca de cada um.

sábado, 26 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_OMOTEP_CAPÍTULO XXIV

"Quindjin era uma jóia."

Quindjin era uma jóia. Antes da quase aniquilação humana, tal preciosidade era bastante comum entre as civilizações desenvolvidas, ou não, de Soberano. Quindjin era uma jóia dos desejos. Somente os reis, rainhas, chefes de estado, enfim, somente os líderes tinham a permissão de utilizar o Quindjin para saciar a fome dos seus subordinados. Era esse maioral que determinava quais tipos de comida eram mais ideais para manter uma vida alimentar saudável dessas pessoas de sua responsabilidade. Quindjin era a graça da fartura, da multiplicação em tempos difíceis que cabia na palma da mão. A jóia só poderia ser usada em último caso, em uma situação de extrema urgência. Quem a utilizava para fins egoístas e/ou para prejudicar a saúde alimentar dos que tem fome, perdia a Jóia Amarela da Boa Refeição para sempre. Infelizmente, milhares de Quindjins se perderam. Muitos ditos líderes se corromperam diante da necessidade extrema de muita fome. A fartura e o tempo de barriga sempre cheia tinham chegado ao fim. Omotep caminhava sozinho sobre o deserto com o último Quindjin em seu peito. De repente, tropeçou num troço coberto pela areia, era um trilho antigo de trem.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_OMOTEP_CAPÍTULO XXIII

"Omotep caminhava sozinho pelo deserto."

Há quem coma de tudo e se sinta muito bem, há quem não come de nada e se sinta muito mal e há quem nunca comeu nada de tudo e se sinta inexplicavelmente normal. Omotep caminhava sem fome pelo deserto. Ele também não sentia sede. Omotep era um velho seco sem estômago. Já havia muitos anos que ele vivia. Omotep vinha de antes de tudo. Até antes do nada ele vinha. Seus semelhantes humanos, quando o avistavam passar, avaliavam-no e chegavam a mesma conclusão: “Velho demais. Não deve ter carne de valor ou qualquer coisa que nos sirva de alimento.”. Os demônios da fome o ignoravam. Os anjos com asas e os caídos também. Omotep era o excluído, o destinado a ver o começo, o meio, o fim e o recomeço de tudo, de novo, de novo e de novo, sem descanso. Omotep caminhava sozinho pelo deserto, vendo as ruínas do que antes era o retrato fiel da vida. Omotep só via morte ao seu redor, mas, dentro de si, Omotep carregava em seu coração a última Quindjin.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_OMOTEP_CAPÍTULO XXII

"Omotep não tinha fome."

Omotep era um ancião, era um velho, muito velho, de aspecto abatido, cansado, mas de olhos verdes muito brilhantes. Omotep era nômade, assim como a maioria dos humanos ainda vivos, ele vagava a pé pelo grande deserto que era o planeta Soberano. Ser velho em um mundo de fome é algo louvável e inconveniente. Quem atingia avançada idade, sem dúvidas, lutara e matara adoidado e, justamente por essa quantidade absurda estimada de mortes e assassinatos nas costas, era o que tornava a velhice um estágio desagradável. Ninguém, num planeta de miseráveis, via com bons olhos um velho decrépito perambulando a pé por aí. Omotep caminhava só pelo grande deserto tóxico. Porém, sua saúde era perfeita. Mesmo utilizando um pedaço de pau como bengala, Omotep caminhava firme, sem pressa sobre a areia vermelha. Omotep não tinha fome. Omotep, aliás, nunca tinha sentido fome em toda a sua vida. Omotep era um velho sem estômago.

sábado, 19 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_LUCIUS, MAURO E NAHIN_CAPÍTULO XXI

"... e levou, ele mesmo, milhares..."

Nahin era só. Mesmo não passando fome, sentia um grande vazio por dentro. Desde sempre queria sair de Heliópolis. Ainda bebê gigante, tentou fugir de gatinhas da cidadela. Quando Galgameth começou a se materializar próximo dela, Lucius, um rapaz vivaz ainda muito jovem e guerreiro, conseguiu, num instante, puxá-la de volta para dentro da montanha. Príncipe Lucius adorava montar guarda na saída/entrada de Heliópolis. Vira e mexe via Galgameth impondo sua incansável programação. Ele, assim como Nahin, alimentava a mente e o coração com o desejo de ver o mundo de fora. O paraíso interno não era suficiente para eles. Quanto a Mauro, esse gozava muito da fartura alimentar da cidade-abrigo. Mesmo não crescendo em altura, sua barriga era imensa, bem maior do que sua cabeça. Mauro não abriria mão do seu bem-estar facilmente, por isso, selecionou, sentenciou e levou, ele mesmo, milhares de idosos, homens inválidos e mulheres ainda grávidas à execução. Galgameth foi previsível.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_LUCIUS, MAURO E NAHIN_CAPÍTULO XX

"A população de Heliópolis tinha atingido e extrapolado o limite máximo de cidadãos viventes."

Dada a ordem oficial, Mauro sorriu um sorrisinho discreto, quase imperceptível, de satisfação, enquanto Nahin, toda indignada, tentou, mais uma vez, expor o seu repúdio a tamanha atrocidade pretendida. Lucius foi inflexível. A população de Heliópolis tinha atingido e extrapolado o limite máximo de cidadãos viventes. A montanha não aguentaria mais gente dentro dela, segundo suas estatísticas e estimativas mais modernas. O povo precisava morrer. O controle de natalidade utilizado se mostrou falho, ninguém tinha imaginado, nem mesmo o especulagista mais pessimista, de que, em menos de 24 horas, quase todas as mulheres da cidadela ficariam prenhas. Apenas uma não engravidou. Nahin não estava grávida. Ela fora a única a não ser atingida pelos olhos fecundapelativos de Jarbas & Ketlyn.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE III_LUCIUS, MAURO E NAHIN_CAPÍTULO XIX

"... comecem com as execuções..."

Heliópolis estava em festa. A cada último pôr-do-terceiro-sol, seus habitantes humanos comemoravam o fim de mais um ciclo de rica produtividade alimentar. Na manhã do seguinte, o primeiro sol apareceria fraco no horizonte e, com ele, infelizmente, tempos mais severos se iniciariam. Lucius era o rei de Heliópolis, o anão Mauro e a giganta Nahin eram seus primeiro e segundo ministro, respectivamente. Enquanto o povo festejava, os três, de uma grande sacada high-tec, os observava do alto. Seus olhares de profunda preocupação eram visíveis a centenas de metros. Os dois ministros esperavam a resposta definitiva de seu rei. Lucius, então, com a cara fechada, mas cheia de determinação, disse-lhes: “Faça! Não há mais o que possamos fazer. Para o bem deste maldito cativeiro idílico, comecem com as execuções aos primeiros raios do primeiro sol.”.

sábado, 12 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE II_JARBAS & KETLYN_CAPÍTULO XVIII

"... Ketlyn se levantou abruptamente."

Jarbas passava pelos jardins descuidados de Safir, seguia seu faro excitado por uma fragrância incomum, não queria comer qualquer um, ele queria a melhor refeição do lugar. Num acampado sujo e fétido, viu o anjo Ketlyn sentada de costas para si, como se meditasse profundamente. Ketlyn exalava uma áurea alvo-azulada de seu corpo. Jarbas se aproximou dela bem na manha, se encharcando todo de baba quente conforme se aproximava. Faltando sete passos para o bote, Ketlyn se levantou abruptadamente. Ketlyn girou seu corpo e fixou seus olhos negros em Jarbas, que se assustou quando ela se ergueu do chão. Pela primeira vez, Jarbas teve medo. Bem diante de si, o anjo Ketlyn foi se envolvendo em miasmas sinistros que mais lhe realçavam seu corpo nu em pelo. Jarbas ali viu o amor, e ele era saboroso! Ketlyn o chamou para si com um dedo. Jarbas investiu nela todo afoito, louco e tonto de medo e desejo. Os dois se tornaram um ali mesmo. Jarbas & Ketlyn era o amor mais horrendo já feito em um mundo de intensa fome.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

ALÔ, ALÔ, ALEVINO!

Imagem: Ulysses Galletti

peixe pintado
não é retrato

peixe refletido
tampouco um submarino

peixe invertido
não é menos divertido

peixe listrado
é todo agrado

agora
se tu pensas
após morto
só espinha
fazer dele
ou de qualquer outro
um pente
bacaninha
logo aviso:

peixe pequeno
não dá linha


Observação

Poema NÃO selecionado no Concurso Poético Versos & Imagens do Coletivo São Paulo, Escritores Sem Fronteiras de Literatura e Sarau Urbanista.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE II_JARBAS & KETLYN_CAPÍTULO XVII

"... caçou um demônio com asas e partiu..."

O amor, num mundo de fome, pode ser visto e compreendido diante de uma privação. Entretanto, amor não enche barriga. Tal sentimento pouco ou nada se desenvolve em um ambiente hostil. A fome é tanta que ela sobrepuja os demais desejos. E quando eles, o amor e a fome, se misturam, monstros bizarros surgem. Jarbas & Ketlyn estavam unidos, literalmente. Ele, um demônio da fome, ela, um anjo casto, puro, de extrema beleza física e intelectual. Jarbas era consagrado por Baal. Jarbas era seu pupilo, seu filho. Jarbas era um excelente assassino, um matador de primeira, matava até quando não tinha fome, apenas por diversão; ele se alimentava da dor, do medo de suas infelizes vítimas. Um dia, cravou no crânio que queria comer anjo. Então, caçou um demônio com asas e partiu em seguida para Safir, reino pairante sobre as nuvens tóxicas de Soberano. Chegando lá, não teve resistência, até em Safir a fome era uma ordinária visitante constante.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

FORA LUMINESCENTE

Imagem: Ulysses Galletti

vaga
vaga-lume
entre nós
vaga

vaga
entre o lume
sobre nós
escuridão

vaga
sem volume
um vazio
preenche a gente

vaga
nossa casa
à noite
ninguém vislumbre


Observação

Poema NÃO selecionado no Concurso Poético Versos & Imagens do Coletivo São Paulo, Escritores Sem Fronteiras de Literatura e Sarau Urbanista.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE II_JARBAS & KETLYN_CAPÍTULO XVI

"Lá do alto, entre as nuvens de poeira e fuligem, os dois assistiram ao nascimento de uma lenda."

Jarbas & Ketlyn testemunharam a cena. Lá do alto, entre as nuvens de poeira e fuligem, os dois assistiram ao nascimento de uma lenda. Jarbas & Ketlyn viram os corpos dos dois titãs se unindo em vaporização; viram as partículas de vida & morte se juntando e formando uma nuvem negra carregada de raios prateados; viram também os humanos, que sobreviveram à batalha, correndo, apavorados, em direção à montanha do vento norte. Por lá, esses, se abrigaram, enquanto que, do lado de fora, uma tempestade caía sobre a montanha. Foi assim que ela ficou com as cores que tem hoje; foi nesse dia, também, que Galgameth surgiu. Os sobreviventes, após a intensa tormenta, tentaram sair de seus abrigos, porém Galgameth os impediu. Algumas dezenas deles foram mortos por Galgameth. Poucos foram os que sobreviveram a ele. Recuados e impedidos de sair, o punhado de humanos cansados e desesperados resolveram se instalar por ali mesmo. Nas primeiras incursões por dentro da montanha, esses primeiros colonos descobriram as dádivas que ela resguardava. Heliópolis foi surgindo aos poucos, enquanto Jarbas & Ketlyn só ficavam de olho.

sábado, 5 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE II_INDIGO_CAPÍTULO XV

"... mas foi repelido pelas pinças de Indigo."

Quem vive um dia morre. Até os deuses morrem. A vida é uma linha que se corta. A morte é o fim dessa linha; é a ponta partida perdida no espaço-tempo. Zaramadan era a morte, era a morte transmutada numa serpente-víbora de fogo negro. Miasmas arroxeados saíam de sua narina reptiliana. Sua língua vermelha comprida e tremula, para fora da boca, parecia zombar da presa recém-avistada. Zaramadan era muito maior que Indigo. O triplo, o quádruplo do seu tamanho. No Planeta da Fome, a morte sempre vence, quem ainda vive é dissidente. O embate dos dois deuses-terrenos foi colossal! Ele durou quarenta dias e quarenta noites, segundo a medida especulativa da época. Zaramadan deu investidas rápidas, mas foi repelido pelas pinças de Indigo. Esse usava o seu ferrão para afastar uma aproximação mais sorrateira de Zaramadan. Porém, Zaramadan era mais rápido, ele conseguia arranhar e queimar, com suas presas e chamas corpóreas, partes do corpo de Indigo. O veneno da morte se alastrava ligeiro pelo seu corpo azul-profundo. Numa investida direta de Zaramadan, Indigo, de guarda-baixa, conseguiu prender seu adversário com suas pinças, enquanto esse lhe abocanhava a face. Indigo cortou-lhe a cabeça, mas morreu em seguida e virou lenda.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE II_INDIGO_CAPÍTULO XIV

"Indigo era um ser feito todo de água."

Indigo era monstruoso! Um ser medonho do tamanho de uma cidade. Com suas oito patas, ele refertilizava o solo estéril por onde caminhava, suas pinças gêmeas esmigalhavam o espaço e criavam planos miméticos de possível autofecundação, eram camadas de possibilidades atrás de mais camadas de possibilidades. Seu ferrão parecia estar em constante combustão. Indigo era um ser feito todo de água, uma fumaça saía incessantemente do seu ferrão fervente. Aquele vapor repurificava o ar a sua volta. Indigo era um deus vivo entre os homens. Esses se amedrontaram logo que o viram. Uns imaginaram que o Dia do Julgamento enfim havia chegado. Contudo, observaram bem o seu trabalho e, assim, tribos inteiras de desgraçados se aglomeraram em seu corpo, feito carrapatos – a fome era maior do que o medo e crença alguma se mantém quando se tem fome. Séculos de aparente prosperidade se seguiram. Até que Zaramadan apareceu no meio do caminho.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE II_INDIGO_CAPÍTULO XIII

"Então, em desespero, medo e dor, choraram."

Indigo não era nada, a princípio. Muito tempo antes da lua de sangue e do sol escaldante ganhar os céus, sequer se imaginava o seu surgimento. Indigo era pura vontade. Quando se deu a quase aniquilação humana, os humanos remanescentes se sentiram perdidos, desprotegidos; eles não se sentiam amparados por nada nem ninguém. Então, em desespero, medo e dor, choraram. Esse choro era a verdade, era a condição humana compactada, límpida e pura numa só gotinha de lágrima. Os humanos ainda vivos que, naquele tempo atrás, ainda chegavam quase aos milhões por todo o planeta, choraram ao mesmo tempo. Bilhões de lágrimas salgadas atingiram o solo infértil e, tamanha foi a vontade desses chorões, que suas gotas penetraram fundo na terra estéril. Essas gotas da condição humana se convergiram em um ponto subterrâneo, atingindo um lençol freático e, lá, uma reação químico-física se sucedeu: nas proximidades da montanha, que hoje abriga Heliópolis, um gigantesco escorpião azul-profundo se ergueu das profundezas da terra. Era Indigo.