quinta-feira, 29 de novembro de 2018

HOJE É SÓ CARALHO

Imagem: ciberduvidas.iscte-iul.pt

parece brincadeira
mas não é
quando faço o certo
ninguém vê

porém
quando faço errado
bomba
todo mundo comenta
e fazem zomba

ninguém elogia mais
um bom trabalho
que satisfaz

hoje é só caralho

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

EM TEMPOS COMO OS DE HOJE

Foto: Jean-Paul Nacivet, 2005

em tempos como os de hoje
onde a imagem
diz mais
do que a palavra,
não é surpresa alguma ver
gente mal-informada,
achando que sabe de tudo

em tempos como os de hoje,
quem tem olhos
nada vê de importante
na própria vida
e na do passante

em tempos como os de hoje,
pessoas próximas
do tédio fogem afoitas
e quando a chuva cai
ninguém vê a lágrima

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O PREÇO DA LIBERDADE

Imagem: bigstockphoto.com

diz-se
que a liberdade
não tem preço
porém
quem paga aluguel
sabe bem
o preço
que ela tem

quem é livre
de verdade
paga sempre
pela própria
liberdade

sábado, 17 de novembro de 2018

[RESENHA]: QUAISQUALIGUNDUM, DE ROGER CRUZ & DANI CALIL

Capa do livro Quaisqualigundum, de Roger Cruz & Dani Calil. Dead Hamster, 2014 / Foto: Bruno Oliveira


Adoniran Barbosa é o sambista mais paulistano que existe. Mesmo morto, sua obra vive e permanece relevante até os dias de hoje. Apesar de suas músicas possuírem aquele traço regional e datado, as mensagens que transmitem são universais.

        Assim sendo, a cidade de São Paulo, mais precisamente ali no Centro, no Bixiga e na Zona Leste, bem ali na Mooca, é apenas o cenário, o ambiente teatral, trágico e cômico, propício para seus personagens peculiares populares.

        É fato, toda sua obra, ou grande parte dela, conta uma história. E é aí que entram Roger Cruz & Dani Calil neste álbum intitulado Quaisqualigundum.

        Não tem como não caracterizar este trabalho gráfico de outra forma. É um álbum sim, senhor! E já começa no tamanho: tem um palmo por um palmo e meio o quadrinho! É como se você, ao segurá-lo para ler, estivesse segurando um LP. Quem aí, que tem menos de dezoito anos, sabe o que é isso? Enfim, não é só por causa de como você segura o quadrinho que dá essa sensação de capa de disco de vinil, não senhor! O que tem no recheio dá essa ideia.

        Vejamos, o álbum tem quatro músicas, opa, melhor dizendo, quatro histórias do universo do músico Adoniran Barbosa. São elas: Maloca, A Saga do Ernesto, Mané e Marinez e Cipolla e Bracholas. Cada uma tem um tom próprio, cada uma abarca um personagem ou um grupo de personagens, porém, todos são do mesmo universo. Exemplificando: um personagem faz bico na história do outro e vice-versa!

        Há uma unidade nessas histórias, há uma linha de continuidade cronológica ou não que permeia este trabalho da dupla. E isso é genial, pois, quem conhece o mínimo da obra de Adoniran Barbosa, artista inspirador, sacará o barato numa bolada só, manja?

        Sobre as histórias, não convém resumi-las aqui, pois tiraria a graça da experiência em tê-las diante dos próprios olhos. Entretanto, vale mencionar alguns pontos.

        Da primeira, Maloca, repare bem no painel das páginas 12 e 13. É o resumo da vida do personagem Doca no muro, e em graffiti! Repare também no detalhe da página 19, é o desenho arquitetônico típico dos galpões das antigas fábricas do Brás e, na página 27, você vê o quão os prédios, símbolos de novos tempos, estão cada vez próximos da Maloca!

Páginas 12 e 13 / Foto: Bruno Oliveira

Detalhe da página 19 / Foto: Bruno Oliveira

Detalhe da página 27 / Foto: Bruno Oliveira

          Da segunda, A Saga do Ernesto, temos o inconfundível topete do típico malandro paulistano! Ficamos cientes de jogos secretos de dominó! — licença poética dos autores ou fato fidedigno? A página 41 é muito boa! Ernesto é tão malandro que salta entre os quadros! Ele quebra qualquer parede para se safar.

Página 34 / Foto: Bruno Oliveira

Página 41 / Foto: Bruno Oliveira

        Já a terceira, Mané e Marinez, temos uma história muito triste. Nada de detalhes! Porém, repare nas páginas 53 e 59. A chuva é pesada; veja o volume das gotas. O clima da história pede isso. Algo muda, se transforma, contudo, fica a pergunta na cuca: o que fazer na solidão?

Página 53 / Foto: Bruno Oliveira

Página 59 / Foto: Bruno Oliveira

        Por fim, a quarta história, Cipolla e Bracholas, é a apoteose! Aqui, tudo é festa. Mas isso não quer dizer que tudo vai ser só alegria e diversão. Não, meu irmão! Uns moderninhos lá batem cartão. Procure pelos hipsters. Até lá eles estão. Mas quem provoca a confusão é um alemão. Só vendo. Uma coisa é certa: quando as bracholas caem, dá merda!

Página 71 / Foto: Bruno Oliveira

Detalhe da página 73 / Foto: Bruno Oliveira

        Pra encerrar, vale dizer, que Quaisqualigundum é o colorido que há no meio desse monstro de concreto chamado São Paulo; é o samba paulistano que pega pelos zóios essa nova geração de admiradores do Adoniran Barbosa.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

[RESENHA]: GUIA FANTÁSTICO DE SÃO PAULO, DE ÁNGELA LEÓN

Capa do livro Guia Fantástico de São Paulo, de Ángela León. Independente, 2015 / Foto: Bruno Oliveira



Não há dúvidas, após ler e ver o que há no Guia Fantástico de São Paulo, de Ángela León, você, seja morador de São Paulo ou não, sairá mais alegre e meio triste diante dos desenhos imagéticos e imaginativos da autora.

        O choque é real. Essa grande cidade poderia ser bem melhor do que é realmente. Contudo, vá sem medo no que a própria autora sugere na introdução: “[no guia há] as belezas menos evidentes da capital”, p. 05. E é bem isso mesmo! Certamente tu ficarás atônico com a quantidade de rios que a cidade ainda possui. Sim! Eles existem. Ou estão enterrados sob viadutos ou foram rebaixados para simples córregos, que aqui, para quem mora próximo e conhece bem, córrego é sinônimo de mau-cheiro e dor de cabeça, quando esses transbordam.
  
Páginas 16 e 17 / Foto: Bruno Oliveira

        É um sonho ver o que a autora imagina para esses rios: rios navegáveis, rios em que se pode nadar e brincar em um domingo ensolarado, por exemplo. Passear de barco no Tietê, no Tamanduateí ou no Pinheiros toca no coração de qualquer um aí que mora em São Paulo.

Páginas 18 e 19 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 22 e 23 / Foto: Bruno Oliveira

        A arquitetura também é contemplada pela autora. Entretanto, ela ganha status de arte, o que não deixa de sê-lo, de certo modo, mas a autora nos dá a sua visão da coisa, aí a gente percebe, enfim, que aquilo que temos é bom mesmo — caímos na real, entende? Finalmente entendemos que a cidade é a nossa casa, no sentido amplo da coisa — cidade-casa. Para você ter noção, basta ver, se já não viu, que cada prédio que aqui erguem, dão-lhe um nome. Já percebeu isso? E esses nomes, pelo menos dos mais antigos, são escritos, grifados, desenhados pelos arautos do design gráfico. Repare também nas portas desses antigos prédios. As portas parecem mais grandes portais...

Página 33 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 38 e 39 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 40 e 41 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 42 e 43 / Foto: Bruno Oliveira

        Aproveite que está do lado de fora e veja os espaços ao ar livre que a autora viu e sugere. São paisagens ufanistas, futurísticas (?) que convidam ao flanar, ao bem-estar; é um espaço para ser dividido, compartilhado, sem sujeira ou violência, apenas um lugar de passagem — paraíso urbano na terra do concreto-armado.

Página 56 / Foto: Bruno Oliveira

Página 73 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 74 e 75 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 82 e 83 / Foto: Bruno Oliveira

        Não à toa, a segunda parte do livro toma a Cultura como tema. Aqui, tudo é de todos. São Paulo é rica em atividades, espaços culturais e, a autora, nos faz ver aquilo que temos de tão bom: grandes áreas na cidade exclusivas para isso, onde as pessoas podem e devem se misturar, conviver, coabitarem. Certamente um ou dois lugares é de visita constante do/a leitor/a. Se não for, está aí a oportunidade de ir lá e ver o que a artista viu.

Página 111 / Foto: Bruno Oliveira

Página 113 / Foto: Bruno Oliveira

Página 115 / Foto: Bruno Oliveira

        A cultura material também tem vez no guia. Quem é da cidade talvez nem tenha reparado, mas, para se ter um gostinho do que a autora quer dizer, transmitir, basta ir naquelas lojas de antiguidades da Santa Cecília ou da Benedito Calixto. Quem for ou já foi saberá a ideia que a autora quer passar — tem coisas, das mais ordinárias, no sentido aqui trivial, que só a gente mesmo faz. E são poucos os que reparam nisso e vê traços culturais.

Páginas 136 e 137 / Foto: Bruno Oliveira

        As migrações são um bom exemplo disso. Da alemã à síria, da italiana à japonesa, todas elas, e muitas outras, contribuíram e ainda contribuem para caracterizar, distinguir o que é próprio da gente paulistana. Tudo o que temos de bom vem dessa gente de diversos países tão diferentes e tão parecidos com a gente.

Páginas 146 e 147 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 156 e 157 / Foto: Bruno Oliveira

        É inevitável, ao fim do passeio por São Paulo com o Guia Fantástico, fica aquela sensação de que tudo poderia ser bem melhor do que realmente é.


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

[RESENHA]: ANTES QUE ACABE, DE JOÃO GALERA

Capa do livro Antes que Acabe, de João Galera. Mandacaru, 2016 / Foto: Bruno Oliveira 


Provavelmente, quem folhear o livro Antes que Acabe, do artista plástico João Galera, ficará surpreso em ver o que já viu em algum momento andando pela cidade de São Paulo. Os desenhos em nanquim que recheiam o livro remetem o leitor-observador àquela lembrança e/ou àquela sensação de déjá vu que acomete quem vê e/ou presencia algo que já viu e/ou experimentou.

O livro, ou melhor, o caderno de desenhos do artista contempla três bairros paulistanos: Bela Vista (o mítico bairro do Bixiga), Vila Mariana e Pinheiros. O primeiro fica no centro expandido, os demais na zona oeste da cidade, mas, pro flâneur esperto, que conhece mais bairros da pauliceia, notará que as fachadas presentes no livro parecem com alguma casa que ele já viu em alguma rua de seu bairro. Essa sensação familiar não é gratuita, nem teoria da conspiração, a casa típica dos bairros da cidade pode ser resumida numa palavra: sobrado.

Logo na introdução, o artista explica: “o sobrado com janelas para a rua, o chão de cacos vermelhos, a geometria de arcos, as pequenas colunas, o jardim atrás...” (pág. 07) ou na frente. A maioria das casas desenhadas são sobrados, sobradinhos de um, dois andares no máximo. E é muito curioso vê-las aqui retratados, pois, essas casas, revelam algo que é ou era próprio do paulistano de raiz — leia-se: paulistano das antigas, velho mesmo.

Comecemos pela Bela Vista. A cada página que se vira, vê-se o que se inverteu: há tijolos aparentes na fachada, aqueles tijolos laranjas típicos dos empreendimentos dos Matarazzo; há um portãozinho de entrada na rua, que dá pra uma escadinha e, aí, só depois se bate com a porta da casa; há janelas, muitas janelas, daquelas que se abrem com os dois braços, como se, ao abri-las, estivéssemos abraçando o mundo de fora; há árvores também, logo na frente, umas grandes, enormes, outras pequenas, mas presentes; há cercas sim, porém, baixas, a gente não vê muro escondendo as casas, parece até que elas eram pra serem vistas mesmo e não isoladas, escondidas; há porão em algumas, dá pra ver as janelinhas rentes ao chão da calçada; há portas compridas, muito longas, como se ali fosse residência de alguém muito alto e esguio — Nosferatu, é você?; e há grades de metal também, muitas delas se veem sobre as janelas e algumas portas, denunciando a grande preocupação com a segurança particular. Se antes a frente da casa era um lugar de se bem receber, agora quem aparece não é mais bem-vindo, ao menos é isso que se percebe ao ver esses desenhos – quem será a pessoa que insiste em pôr uma cadeira do lado de fora, bem debaixo da árvore na rua Adoniran Barbosa (pág. 17)? 

Páginas 14 e 15 / Foto: Bruno Oliveira

Página 16 / Foto: Bruno Oliveira

Página 19 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 24 e 25 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 26 e 27 / Foto: Bruno Oliveira

Página 17 / Foto: Bruno Oliveira

        Nos desenhos da Vila Mariana, o que mais assusta é as dessemelhanças: uma casa, dividida e suas assimetrias. É natural ver por aí casas diferentes uma da outra. Contudo, essas do bairro se destacam justamente pela divisão. A casa, em sua essência, na sua construção era una e, após algum incidente, foi partida, dividida para abrigar mais gente de outra família. As assimetrias se notam nas cercas escolhidas por cada morador ou na retirada ou acréscimo posto na fachada, em alguma parte da casa. Fica óbvia a diferença, você intui que de um lado mora um e no outro, outro. Mesmo assim, apesar da perda notável, é bom ver que as diferenças convivem. Isso também se apercebe na mistura de estilos arquitetônicos utilizados. A maioria das casas que se veem faz referência àquele estilo colonial português. As telhas, as pedras, os arcos e os azulejos denotam isso. Porém, há também casas mais modernas, em art déco até, convivendo ao lado ou na mesma fachada de uma casa. Essa mistura não é só característica dos paulistanos, mas sim do Brasil inteiro.

Página 42 / Foto: Bruno Oliveira

Página 44 / Foto: Bruno Oliveira

Página 40 / Foto: Bruno Oliveira

     Os desenhos de Pinheiros são mais numerosos. Neles há mais fachadas/casas em estilo moderno, limpo, sem muitos detalhes. Outro ponto importante é a quantidade de janelas abertas que se veem. Se nos bairros anteriores eram uma ou outra, neste são quase todas. Vale mencionar também algumas singularidades. Em algumas casas, dá para ver o registro de água aparente bem rente à calçada da casa; dá para ver também uma antena antiga de televisão; e, em quase todos, a antiga garagem do imóvel, dá lugar a um comércio, ou sempre foi comércio, vai saber.

Página 52 / Foto: Bruno Oliveira

Página 54 / Foto: Bruno Oliveira

Páginas 56 e 57 / Foto: Bruno Oliveira

Página 58 / Foto: Bruno Oliveira

Página 61 / Foto: Bruno Oliveira

        Por fim, vale mencionar ainda o guarda-sol solitário da rua Bianchi Bertoldi (pág. 78) — seria ele de algum estabelecimento comercial, uma propaganda ou o morador o colocou lá para desfrutar da vizinhança? Fica a dúvida, mas também, a certeza de que há uma tendência em resgatar aquele clima de bairro bucólico por parte dos moradores, e não só das empreiteiras interesseiras, que os destroem para levantar torres e bairros ditos exclusivos.

Página 78 / Foto: Bruno Oliveira
       
        Ao fim do livro, ou dessa viagem no tempo, percebe-se o quão foi e é importante esse trabalho do autor João Galera. Como ele mesmo disse, esse trabalho é um resgate e uma resistência. O último desenho ilustra bem isso: “essa não deu tempo...”. Contudo, para destoar do tom melancólico que essa última figura remete, atenha-se, por favor, a casa-árvore da Fradique Continho (pág. 79). Lá, o teto são folhas e de baixo da janela sempre haverá um grafitti indicando o caminho.

Página 82 / Foto: Bruno Oliveira

Página 79 / Foto Bruno Oliveira