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Capa do livro Antes que Acabe, de João Galera. Mandacaru, 2016 / Foto: Bruno Oliveira |
Provavelmente,
quem folhear o livro Antes que Acabe,
do artista plástico João Galera, ficará surpreso em ver o que já viu em algum
momento andando pela cidade de São Paulo. Os desenhos em nanquim que recheiam o
livro remetem o leitor-observador àquela lembrança e/ou àquela sensação de déjá vu que acomete quem vê e/ou
presencia algo que já viu e/ou experimentou.
O
livro, ou melhor, o caderno de desenhos do artista contempla três bairros
paulistanos: Bela Vista (o mítico bairro do Bixiga), Vila Mariana e Pinheiros.
O primeiro fica no centro expandido, os demais na zona oeste da cidade, mas,
pro flâneur esperto, que conhece mais
bairros da pauliceia, notará que as fachadas presentes no livro parecem com
alguma casa que ele já viu em alguma rua de seu bairro. Essa sensação familiar
não é gratuita, nem teoria da conspiração, a casa típica dos bairros da cidade
pode ser resumida numa palavra: sobrado.
Logo
na introdução, o artista explica: “o sobrado com janelas para a rua, o chão de
cacos vermelhos, a geometria de arcos, as pequenas colunas, o jardim atrás...”
(pág. 07) ou na frente. A maioria das casas desenhadas são sobrados,
sobradinhos de um, dois andares no máximo. E é muito curioso vê-las aqui
retratados, pois, essas casas, revelam algo que é ou era próprio do paulistano
de raiz — leia-se: paulistano das antigas, velho mesmo.
Comecemos
pela Bela Vista. A cada página que se vira, vê-se o que se inverteu: há tijolos
aparentes na fachada, aqueles tijolos laranjas típicos dos empreendimentos dos
Matarazzo; há um portãozinho de entrada na rua, que dá pra uma escadinha e, aí,
só depois se bate com a porta da casa; há janelas, muitas janelas, daquelas que
se abrem com os dois braços, como se, ao abri-las, estivéssemos abraçando o
mundo de fora; há árvores também, logo na frente, umas grandes, enormes, outras
pequenas, mas presentes; há cercas sim, porém, baixas, a gente não vê muro
escondendo as casas, parece até que elas eram pra serem vistas mesmo e não
isoladas, escondidas; há porão em algumas, dá pra ver as janelinhas rentes ao
chão da calçada; há portas compridas, muito longas, como se ali fosse
residência de alguém muito alto e esguio — Nosferatu,
é você?; e há grades de metal também, muitas delas se veem sobre as janelas
e algumas portas, denunciando a grande preocupação com a segurança particular.
Se antes a frente da casa era um lugar de se bem receber, agora quem aparece
não é mais bem-vindo, ao menos é isso que se percebe ao ver esses desenhos –
quem será a pessoa que insiste em pôr uma cadeira do lado de fora, bem debaixo
da árvore na rua Adoniran Barbosa (pág. 17)?
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Páginas 14 e 15 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 16 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 19 / Foto: Bruno Oliveira |
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Páginas 24 e 25 / Foto: Bruno Oliveira |
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Páginas 26 e 27 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 17 / Foto: Bruno Oliveira |
Nos desenhos da Vila Mariana, o que mais
assusta é as dessemelhanças: uma casa, dividida e suas assimetrias. É natural
ver por aí casas diferentes uma da outra. Contudo, essas do bairro se destacam
justamente pela divisão. A casa, em sua essência, na sua construção era una e,
após algum incidente, foi partida, dividida para abrigar mais gente de outra
família. As assimetrias se notam nas cercas escolhidas por cada morador ou na
retirada ou acréscimo posto na fachada, em alguma parte da casa. Fica óbvia a
diferença, você intui que de um lado mora um e no outro, outro. Mesmo assim,
apesar da perda notável, é bom ver que as diferenças convivem. Isso também se
apercebe na mistura de estilos arquitetônicos utilizados. A maioria das casas
que se veem faz referência àquele estilo colonial português. As telhas, as
pedras, os arcos e os azulejos denotam isso. Porém, há também casas mais
modernas, em art déco até, convivendo
ao lado ou na mesma fachada de uma casa. Essa mistura não é só característica
dos paulistanos, mas sim do Brasil inteiro.
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Página 42 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 44 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 40 / Foto: Bruno Oliveira |
Os desenhos de Pinheiros são mais
numerosos. Neles há mais fachadas/casas em estilo moderno, limpo, sem muitos
detalhes. Outro ponto importante é a quantidade de janelas abertas que se veem.
Se nos bairros anteriores eram uma ou outra, neste são quase todas. Vale
mencionar também algumas singularidades. Em algumas casas, dá para ver o
registro de água aparente bem rente à calçada da casa; dá para ver também uma
antena antiga de televisão; e, em quase todos, a antiga garagem do imóvel, dá
lugar a um comércio, ou sempre foi comércio, vai saber.
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Página 52 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 54 / Foto: Bruno Oliveira |
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Páginas 56 e 57 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 58 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 61 / Foto: Bruno Oliveira |
Por fim, vale mencionar ainda o
guarda-sol solitário da rua Bianchi Bertoldi (pág. 78) — seria ele de algum
estabelecimento comercial, uma propaganda ou o morador o colocou lá para
desfrutar da vizinhança? Fica a dúvida, mas também, a certeza de que há uma
tendência em resgatar aquele clima de bairro bucólico por parte dos moradores,
e não só das empreiteiras interesseiras, que os destroem para levantar torres e
bairros ditos exclusivos.
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Página 78 / Foto: Bruno Oliveira |
Ao fim do livro, ou dessa viagem no
tempo, percebe-se o quão foi e é importante esse trabalho do autor João Galera.
Como ele mesmo disse, esse trabalho é um resgate e uma resistência. O último
desenho ilustra bem isso: “essa não deu tempo...”. Contudo, para destoar do tom
melancólico que essa última figura remete, atenha-se, por favor, a casa-árvore
da Fradique Continho (pág. 79). Lá, o teto são folhas e de baixo da janela
sempre haverá um grafitti indicando o
caminho.
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Página 82 / Foto: Bruno Oliveira |
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Página 79 / Foto Bruno Oliveira |
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