sexta-feira, 31 de julho de 2020

O CORAÇÃO EM PLUTÃO

Imagem: revistagalileu.globo.com


Eu não estava bem. Já fazia semanas que eu estava na bad, na deprê e me afundando na fossa. Meus amigos, e nem eu mesmo, não estavam mais me aguentando. Eu precisava mudar, fazer alguma coisa nova logo para sair desse meu estado negativo, depressivo e passional. Mas o quê? Eu não fazia a menor ideia. Foi numa dessas sessões obrigatórias de mindfulness que eu tive um insight: Plutão. O planeta-anão mais famoso da galáxia iria passar por um evento cósmico épico nos próximos meses, toda sua atmosfera congelaria, e nenhum veículo jornalístico do globo nem do nosso sistema solar iria cobrir, pessoalmente, o evento — os custos da viagem até lá eram homéricos. Os principais meios de comunicação só mandariam suas sondas-drones habituais. Então, eu decidi fazer essa cobertura sozinho. Na redação do jornal, onde trabalho, joguei essa minha ideia durante a primeira videoconferência de pauta, disse a todos ali presentes e em holograma, que eu mesmo bancaria boa parte da minha empreitada cósmica, todos, até meus superiores amigos diretores, ficaram surpresos com essa minha ideia, mas, mesmo preocupados, acho, decidiram aprovar a minha pauta mesmo assim. Uma viagem sempre faz bem a alguém, certo? A viagem era longa, então, após a reunião, já dei início a minha própria comitiva. Reservei um estoque absurdo de combustível e de alimentos que causaria vergonha, ou ódio mortal, até ao mais famoso bunker norte-americano. Aluguei um desses trailers tipo grande família da SpaceX e parti só para Plutão. Após horas intermináveis parado na termosfera, aguardando a StarLink liberar o tráfego, ganhei impulso auxiliar na exosfera e, me desviando das carcaças velhas e abandonadas dos satélites e veículos espaciais ultrapassados, que ainda poluem a órbita do nosso planeta, parti direto e em alta velocidade para Plutão. Esse longo caminho era a pior parte. Até Saturno, o trânsito é muito intenso e muito louco. Barbeiragem existe em qualquer lugar. Há várias naves particulares e, principalmente, de carga pesada até lá. Só mesmo os corajosos, ou os porra-louca, como eu, passariam por ali até Urano. Passei. Levei semanas, mas passei. Netuno era considerado, oficialmente, uma zona morta, mas havia sim movimento, pouco e meio suspeito, mas havia. Foi só quando transpus a zona transnetuniana que me dei conta: estava só, completamente só. Nesta parte do espaço, ninguém, nenhuma alma viva vinha se meter. Mesmo com toda a tecnologia já feita até hoje, nenhum ser-humano arriscava vir, se embrenhar no Cinturão de Kuiper. Há todo tipo de objetos espaciais por aqui. Há outros exoplanetas sim, além de Plutão, isso é fato. Mas há também uma quantidade de rochas e cometas, enormes e pequeninos, vagando em baixíssima e grande velocidade, que torna a passagem por aqui um verdadeiro inferno! Só mesmo quem tem bons instrumentos de navegação espacial, excelentes sensores de aproximação de última geração e reflexos naturais intrínsecos que consegue, com sucesso, navegar “tranquilo” por aqui. Claro, as sondas que são enviadas para cá, possuem várias camadas, isto, justamente, já pensando nos impactos que essas sofrerão. Mas eu não! Eu só tenho esse trailer. Pretendo voltar com ele. Afinal, alugado ele é. Passei pelo cinturão praticamente ileso. Bem, quero dizer, houve sim uns pequenos impactos, um zigue-zague desesperado de última hora e uma quase visão de toda a minha vida diante dos meus olhos, quando um gigantesco cometa apareceu a estibordo, mas sobrevivi. Estou bem. Um pouco em choque, mas bem. Fiquei bem mesmo quando Plutão surgiu, enorme, na minha tela. Era lindo! Sua cor napolitana típica e ao vivo era mais do que eu poderia imaginar. Só o vira por fotos e vídeos das sondas não tripuladas. Essas não revelavam a verdadeira alma deste rochoso planeta. Vi também suas luas. Caronte era, como sempre, a mais chamativa. Hidra, Cérbero, Nix e Enfinge também as reconheci ali, orbitando Plutão. Vi também algumas sondas-drones colhendo dados. Dentro de poucas horas, a atmosfera inteira do planeta-anão congelaria. Eu chegara bem a tempo! Seu céu azul em degradê e suas célebres planícies em forma de coração desapareceriam para todo o sempre... seu oceano subterrâneo e as várias camadas de sua atmosfera única se tornariam uma coisa só: uma imensa massa rochosa de gelo. Não resisti. Nem eu mesmo sei o que me deu direito. Quando me dei conta, me vi indo de encontro a Plutão! Minha nave (alugada) estava em pane. A todo momento, sons de alertas agudos e códigos de erros contaminavam o interior da nave. Eu me parecia longe de mim. Era como se eu me visse, fazendo aquilo tudo, e não podendo fazer nada, talvez até nem querendo, para me impedir de seguir com aquilo. Aterrissei bruscamente em Plutão. Vesti um traje, que nem era apropriado para aquele clima alienígena (média de -200ºC) e saí para fora da nave. O planeta inteiro estava em colapso! E eu nem me preocupei. Só fiquei ali no meio do caos. Vendo in loco tudo aquilo que eu sempre adorava ver nas fotos e vídeos. Fiquei ali só admirando o todo que era antes do fim de tudo. Surpreendentemente, vi outra nave. Essa, estava bem no fim da encosta da montanha onde eu estava. A nave era uma que eu nunca vira na vida. Seu design não parecia feito de mãos humanas. A nave era toda escura, negra, um naipe de copas perfeito. Um ser saiu da nave. Todo paramentado, como eu, ele estava. Mas com um traje nunca antes visto por mim. Ele, o ser, como eu, deu alguns passos e ficou ali parado, admirando, parecia, como eu, o fim iminente. O ser olhou para cima. Me viu! Sinalizou um olá com o braço e a mão direita erguidas e, de repente, uma voz estranha, na minha cabeça, com um sotaque bem carregado, mas falando o meu idioma, me disse: “vai ficar tudo bem”. Não sei bem o que, mas algo de dentro de mim derreteu, enquanto o planeta inteiro, ao meu redor, se solidificava num eterno e frio bloco de gelo.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

ALDEIA GLOBAL

Imagem: mensagenscomamor.com


faz sol

e todos estão

na rua

quase nus

mostrando a bunda

 

mas faz sol

e ninguém se importa —

calor não é vergonha

 

quem se enfurna

não entende

a alegria que é

estar entre gente

 

na pele

não vê diferença

é como se todos fossem

de uma só aldeia


quarta-feira, 29 de julho de 2020

É VERÃO!

Imagem: ficargravida.com.br

Verão é emoção

Parece até clichê

Mas é verdade

Verão é saudade

Dos tempos de criança

Empinando pipa

Enchendo a pança

Verão é esperança

De ver tudo melhor

De ver ninguém na pior

Verão é tempo bom

Basta ver no sorriso

De qualquer um que diz:

— É VERÃO!

terça-feira, 21 de julho de 2020

O NOVO NORMAL

Imagem: vozesmormons.org


Abaixe a cabeça

e saúda

com o braço direito erguido

a bendita pílula

da Maria Joaquina

 

Fique de joelhos

e peça perdão

pro PM salvador

que matou teu amigo

aquele infrator

 

Atira-se no chão

deixe te pisotearem

tua vida não presta

morra logo duma vez

cidadão não é freguês

 

Arraste-se rasteiro

como o verme que és

se possível, afoga-se

no próprio sangue

você não sabe com quem está falando

 

NÃO!

 

DEIXE DISSO

PARTA LOGO PRA CIMA!

LEVANTA A CABEÇA E ENCARE

O QUE NÃO É NORMAL

NEM AQUI NEM NA CHINA!!