segunda-feira, 30 de setembro de 2019

ODE AO ÓDIO

Imagem: O Iluminado (The Shining) - EUA/Reino Unido, 1980. Dir. Stanley Kubrick / megacurioso.com.br

ÉS TU, Ó FACE MINHA, A MÁSCARA
QUE OSTENTO TODO DIA AÍ NA PRAÇA.
ÉS TU, PICUINHA, A DESGRAÇA
DO PAVIO CURTO; EXPLODE NA CARA!

ÉS TU, VERMELHA, A FICAR UMA ARARA
E CISCAR QUE NEM TOURO; OLHOS SÃO BRASA!
OS CHIFRES, DE TÃO DUROS, TRANSPASSAM A CABEÇA.
MEU DESEJO É TE EMPALAR, TENHO-TE NA MIRA!

FOGO ARDE AS ENTRANHAS DO ÍNTIMO,
TENDÊNCIAS ASSASSINAS SINTO:
SANGUE! QUERO PORQUÊ QUERO E TOMO!

TUA VIDA É MINHA SAÍDA E MATO!
ENTRO EM FRENESI SEM CONSUMIR ÓPIO.
TODO SANTO DIA É ASSIM, ESSE ÓDIO.

sábado, 28 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_GALGAMETH E HELIÓPOLIS_CAPÍTULO XII

"O vento norte também incide sobre a montanha."

A luz do terceiro sol incide sobre a montanha. Heliópolis, escondida sob ela, recebe os raios do terceiro sol por meio de um filtro especial. Mesmo que a montanha seja feita de rocha negra e de metais pesados prateados, suas frestas permitem que a luz incidente atravesse e, essas mesmas rochas e metais, filtram a luz mortífera do terceiro sol. Assim, Heliópolis recebe a luz solar. Luz essa que permite que os seres-vivos lá continuem vivos. O vento norte também incide sobre a montanha. Esse vento frio de bater dentes é o responsável por refrigerar o lugar. Não existiria vida sem esse equilíbrio: o solo recebe nutrientes da luz, da água e, o que cresce, é polimerizado pelo vento norte. A natureza segregada seguiu o seu rumo natural. Galgameth garante esse ciclo. E os habitantes de Heliópolis fazem seus apliques, monitoram essas atividades cíclicas. Porém, nada disso seria possível viver e ver sem o sacrifício de Indigo.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A FERRAMENTA DA BESTA

Foto: Pau-Brasil / arvoresdesaopaulo.wordpress.com

o machado
não trucida a minha prole

a motosserra
não decapita o meu sonho

o trator
não derruba a minha luta

mas um idiota
pode sim fuder com tudo

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_GALGAMETH E HELIÓPOLIS_CAPÍTULO XI

"Galgameth elimina o intruso, seja ele demônio, anjo ou humano."

Galgameth faz a segurança dos habitantes de Heliópolis. Mas ele não é controlado por ninguém da cidadela de dentro da montanha. Ele age por conta e com poderes próprios. Quem insiste em entrar nos domínios da Cidade do Milagre é esmigalhado sem dó ou qualquer emoção humana ou inumana de piedade. Galgameth elimina o intruso, seja ele demônio, anjo ou humano. Poucos são os seres que já conseguiram se escapar dele. Fenrir é um deles. Suas cicatrizes no rosto, no focinho e nas costas foram Galgameth que fez. Heliópolis é um verdadeiro oásis. Tudo de colorido e bom que um dia cobria todo o planeta Soberano, lá ainda cresce e se desenvolve. A vida e a tecnologia humanas lá se fecharam, se refugiaram. Em seu subterrâneo, milagrosamente, há muita água potável. A água de Heliópolis é de um azul muito denso, uniforme, curiosamente muito pura e de baixa acidez. A vida lá dentro existe, enquanto a morte de fora persiste.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_GALGAMETH E HELIÓPOLIS_CAPÍTULO X

"... uma gigantesca montanha negro-acinzentada."

Soberano é um planeta imenso, que já teve muita fauna e flora dos mais variados tipos e formas. Soberano já foi um planeta-atlântico rico em biodiversidade, porém, hoje, morre a cada rotação e translação celeste. Soberano é um deserto tóxico de recursos naturais cada vez mais escassos para a sobrevivência daqueles que ainda insistem em residir nele. Entretanto, em um mundo tomado de pobreza e caos, os milagres, de alguma forma, acontecem. Heliópolis é um desses raros milagres. Localizada no hemisfério norte do planeta, Heliópolis é uma cidadela onde os humanos, lá residentes, não passam fome. Essa cidade fica dentro de uma gigantesca montanha negro-acinzentada. Dizem que só há um local por onde dá para penetrá-la, ela só tem uma entrada/saída. E é justamente nessa única entrada/saída que Galgameth faz a sua perpétua vigilância. Galgameth é um autômato de pedra. Ele é capaz de se transmutar em diversas formas diferentes, até auto-multiplicação ele faz, basta ter detritos por perto. Só não se sabe como e porque ele faz isso para proteger Heliópolis.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ENTRE O SILÊNCIO DAS PESSOAS

Imagem: terra.com.br

Sim, lá estou, entre esses que não me vêem;
Entre esses, pobre coitados, que se distraem,
Curvados sobre si, vendo de tudo um pouco,
Tentando preencher um vazio ou não parecer louco.

Sim, sou eu mesmo, entre o devaneio.
Estou lá, atrás deles, vendo também o puteiro
Que é suas vidas em telas coloridas,
Que quase nunca apagam, 100% ligadas.

Sou eu ali, atrás da nuca
E no rabo de olho, escuta:
Sou eu ali, diminuta,
Mas ninguém encuca.

Estou lá e sempre estarei próximo,
Entre esses que se adoram, tóxico
E não se tocam, nada cósmico
Da vida plena neste cosmo.

sábado, 21 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_FENRIR_CAPÍTULO IX

"... enquanto se embolavam pelo chão estéril..."

Em terra de esfomeado, quem tem uma Quindjin é rei. Fenrir nunca viu e, talvez, nunca verá uma Quindjin. Entretanto, às vezes, papava anjo. Fenrir papou Uióp. Uióp foi o último anjo que Fenrir papou. Uióp era um anjo-caído e Fenrir não sabia disso. O embate se deu nos arredores de Heliópolis, Reino dos Ventos Prósperos. Fenrir sempre fazia o cerco em Heliópolis e, numa dessas emboscadas, se deparou frente a frente com Uióp, que também se espreitava pelas terras dos ventos prósperos. Esse primeiro encontro foi o último. Eles não se falaram muito. Na real, não trocaram nenhuma palavra sequer, apenas gritos, grunhidos e outros sons indecifráveis lançaram um ao outro enquanto se embolavam pelo chão estéril e se cortavam pelos ares fétidos. Uióp foi dilacerado. Ele era muito ágil, habilidoso, mas sua fome era menor comparada a de Fenrir. Todo anjo recém caído não aguentava enfrentar um demônio da fome experiente. Fenrir se garantia. Ele só perdia feio mesmo de Galgameth.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

AS MÁSCARAS CAEM

Imagem: blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br

as máscaras caem
um dia ou dois
elas caem e
quando caem
libertam um filho da puta —

nem um Super Bonder cola
um bosta na merda

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_FENRIR_CAPÍTULO VIII

"Fenrir comia humanos."

“Você é o que você come”, isso, em um planeta da fome, é a lei mais básica do lugar. Literalmente, em Soberano, se um demônio come outro, esse que come adquire as características físicas, intelectuais e emocionais do comido. Aquilo tudo que distinguia um demônio, aquilo que o tornava único era absorvido e fazia parte integral daquele que o havia devorado. Fenrir tinha um código de honra. Ele não queria desenvolver habilidades de outrem dentro de si. Ele preferia aperfeiçoar as próprias. Mesmo sendo um demônio da fome, Fenrir preferia senti-la forte nas suas entranhas do que se macular com outro ser de sua espécie demoníaca. Fenrir comia humanos. Tinha preferência pelos homens, pois, esses, mesmo sofrendo com a mesma fome dilacerante, tinham mais músculos fibrosos em suas entranhas do que as mulheres, que, mesmo esfomeadas, ainda retinham muito líquido dentro de si. Fenrir comia homens, desprezava as mulheres e, quando tinha sorte, papava anjo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

NOSSA TERRA EM CHAMAS

Incêndio em Alter do Chão (PA) no domingo (15) / Foto: Eugênio Scannavino

Queima toda ela sem descanso,
Na nossa frente a todo instante;
Queima-se e some num purgante,
A vida verde vira ranço...

Queima toda ela a todo dia,
Quem a vê, não sente alegria.
Porém, quem assim a atiça,
Logo veste olhos de cobiça.

Queima toda ela até não existir mais,
A perda é grande por demais!
O dano a nós mesmos é imensurável!
Ninguém aí parece achar lamentável.

Queima toda ela e assim será,
Depois não adiantará chorar;
Com as verdinhas na mão,
O que fora verde virará sertão.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_FENRIR_CAPÍTULO VII

"Ele viu Baal devorando Cádmio."

Fenrir chegou logo depois do massacre. Ele viu Baal devorando Cádmio. Somente ele, de relance, viu o sangue negro escorrendo da face alva e azul de Cádmio. Fenrir era um demônio da fome, porém não tinha as asas, o rabo e os chifres de Baal. Fenrir era um demônio de garras e dentes apenas. Fenrir era veloz. Contudo, tal velocidade não fora suficiente, Baal o superara, “mais uma vez”, ele resmungava para si mesmo. Baal não viu Fenrir. Fenrir não viu Adrian. E Adrian não viu nada. Fenrir virou as costas e saiu em disparada pelo mesmo caminho que tinha vindo. Fenrir era um demônio solitário, ele matava sua fome desacompanhado. Em Soberano, muitos demônios andam em bando, poucos são aqueles que cruzam o planeta apenas consigo mesmos. Soberano é um planeta hostil, quase morto e sem muita opção de prato. Até mesmo os demônios passam por necessidades. Nele, há aqueles que se comem e sobrevivem e há, também, aqueles que se recusam a viver assim e vivem num código próprio: Fenrir não comia outros demônios.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A IDADE DO PLÁSTICO

Foto: ciclovivo.com.br

No pulso, nos olhos, no cabelo,
Lá está ele embrulhado, novelo.
Na roupa, no tênis, na barriga,
Lá está ele dentro se si, sem seringa.

Tu o bebes, o cheiras e vomita.
Sim, tu o ingeres; é marmita!
Material resistente é, aquenta tranco,
Mas quebra, micropartículas — não é pouco!

Ele está em todo lugar.
Fácil o ver em alto mar.
Lá, ele boia, afunda e mata.
Difícil tirá-lo de qualquer pata.

Neste mundo em que vivemos,
Fazemos pouco e perderemos
Este único mundo habitável —
Nosso futuro é descartável.


Referência

Poema inspirado numa notícia da Veja.

sábado, 14 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_CÁDMIO, DÉDALO E ESTEPHAN_CAPÍTULO VI

"... os olhos de Cádmio jorrando um sangue negro enquanto era avidamente devorada."

Por mais nojento que possa parecer, a carne de um demônio morto é uma iguaria fina e muito saborosa em um planeta onde a fome se alastra além do horizonte de areia. Cádmio a comia e se sentia muito bem. Seus irmãos e pai não se incomodavam tanto com isso. Pelo contrário, eles até queriam comer da carne demoníaca, porém, se um homem a ingerisse, acabaria se tornando um demônio da fome e, esses três, não desejavam isso. Eles queriam apenas sobreviver e ver sua irmã e filha restabelecida, a fome dela era a mais feroz do grupo. Foi numa dessas rotinas de pós-batalha que Baal os atacou. Vindo rasante dos céus de sangue, Baal investiu certeiro em Cádmio debruçada sobre uns cadáveres mutilados. Baal atacou-a pelas costas, cravando-lhe suas garras sujas em seu marmóreo pescocinho. Estephan não foi páreo para Baal. Ele foi agarrado e jogado dos céus na primeira investida furiosa que ousou ariscar em direção a Baal. Dédalo não teve chances. Estratagema algum resolveria o páreo diante de um rabo-foice, que velozmente lhe varou o abdômen. Adrian lutou, resistiu bem, porém perdeu e foi deixado de lado inconsciente. Ele não viu os olhos de Cádmio jorrando um sangue negro enquanto era avidamente devorada.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O SEU ID NO MEU EGO, SOBRECARREGO

Imagem: tudoemdia.com

Às vezes, um desejo é mais que’u vejo;
É tanta discrepância que causa ânsia!
O crush desalinha — repugnância!
Aí tu vai no molejo e manda beijo.

Amor não mais atrai, se vê, sente nojo!
Paixão é a modinha — doce fragrância!
Que dura, dura pouco — velha infância.
Aí tu fica mole, mole que nem miojo.

Desejo bobo esse nosso de causo.
Queremos tanto o coiso perto da gente,
Fazendo tudo, tudo assim contente

Que luta provocamos e vira ranço.
Vacilo, nosso carma! É tudo ego!
Sozinho ninguém quer! Se mentira, nego!


Observação

Soneto NÃO selecionado para o concurso "Um Libreto e Cem Sonetos" da Cartola Editora.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_CÁDMIO, DÉDALO E ESTEPHAN_CAPÍTULO V

"Cádmio se alimentava exclusivamente da carne dos demônios da fome."

Em um mundo de fome, os seres que sobrevivem nele passam por constantes mudanças, constantes mutações. A natureza humana, de alguma forma, tenta compensar a falta daquilo que antes estava lá e, agora, não mais está. Os filhos de Adrian eram fruto disso. Eles eram especiais e, ao atingirem a maioridade, olhos grandes e gulosos se direcionaram a eles. Baal e outros demônios da fome foram à caça deles. Antes de Baal, os trigêmeos, junto de seu pai Adrian, conseguiram resistir a insistentes investidas. Difícil calcular quantos demônios os quatro matavam por dia. Eram dezenas! Após a contenda, os espólios eram divididos. Os homens ficavam com as armas, as garras, os dentes e os chifres das criaturas abatidas, afinal armas mais precisas e resistentes poderiam ser feitas com aquilo tudo. Já Cádmio ficava com o resto. Cádmio se alimentava exclusivamente da carne dos demônios da fome. De alguma forma, esses restos mortais lhe davam uma poderosa energia vital.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A GRAÇA DA DESGRAÇA

Fotografia de Sebastião Salgado exibida em 'Gold - Mina de Ouro Serra Pelada', no Sesc Avenida Paulista

Da morte, acho, pouco se sabe;
Da vida, sei, muito se imagina.
Viver encanta, é tipo sina;
Morrer espanta, afã se bebe...

Do nada viemos, se crê, inibe.
De tudo fazemos, mas ruína.
Até parece coisa divina,
Mas isso é mote que não cabe...

Fazemos o que então com isso?
Perdemos de vez nosso juízo?
Que nada! Basta ver toda graça

Que é essa nossa estrada braba:
Acorda, dorme, fala e baba,
Crescendo e sorrindo na desgraça!


Observação

Soneto NÃO selecionado no concurso "Um Libreto e Cem Sonetos" da Cartola Editora.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_CÁDMIO, DÉDALO E ESTEPHAN_CAPÍTULO IV

"A primeira era menina, os demais, meninos, os três, trigêmeos..."

Trilhos de trem sempre nos levam para algum lugar, seja para frente ou para trás, para o futuro ou para o passado. Esses, que Adrian caminhava, levavam-no ao passado, pelo menos em pensamento. Adrian pensava em seus filhos: Cádmio, Dédalo e Estephan. A primeira era menina, os demais, meninos, os três, trigêmeos e, mesmo que fossem parecidos fisicamente, cada um tinha sua própria característica peculiar. Estephan, apesar da fome constante e do corpo magro, era forte, exibia músculos bem marcados e aguentava uma boa porrada. Dédalo era seu oposto, não tinha músculos, era igualmente raquítico, mas era engenhoso, perspicaz, manjava bem de puzzles. Cádmio era a menina dos olhos branco-azulados e, diferente de seus irmãos de pele escura, ela tinha uma pele mais clara, suas veias azuis eram bem visíveis sob a pele, essas lembravam uma rede de fibra ótica energizada. Estephan era a força, Dédalo o estrategista e Cádmio era a energia, literalmente.

sábado, 7 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_ADRIAN E BAAL_CAPÍTULO III

"... a poeira se alastrava feito neblina, serração."

Baal tinha ficado surpreso com aquilo. Nunca sentira tamanho sentimento quando devorava suas vítimas. Sempre era um prazer devorá-las ainda vivas! Contudo, os três filhos de Adrian, em sua barriga, lhe causaram comoção. Então, para poder entender aquilo em seu bucho, Baal decidiu segui-lo de perto. Adrian continuava andando sobre os antigos trilhos. A madrugada se anunciava: a poeira se alastrava feito neblina, serração. O CO2 era mais tênue nesse período do dia. Durante o meio-dia, a temperatura ambiente atingia os cinquenta e cinco graus Celsius facilmente, então, nada mais seguro do que caminhar de madrugada, pois a temperatura não passava dos cinco graus. Adrian caminhava, Baal lhe sobrevoava e a lua vermelha, lá de cima, alumiava os trilhos até o infinito. Parecia até um caminho de sangue.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_ADRIAN E BAAL_CAPÍTULO II

"Baal tinha asas, chifres, cauda e uma barriguinha"

Adrian não se lembrava ao certo de quando conhecera Baal, havia muito tempo que sentia fome. Contudo, lembrava-se o suficiente de que Baal não era como ele. Adrian era fraco; Baal era forte. Adrian trajava trapos para formar uma roupa; Baal se exibia em pêlo – demônio algum carecia de vestimentas. Adrian tinha fome, muita fome; Baal tinha asas, chifres, cauda e uma barriguinha – Baal se alimentava de criancinhas. Adrian, a princípio, se assustou com ele, teve realmente muito medo, porém, seu próprio horror era outro, coisa dele e de muitos outros: ou você morre de fome, servindo de comida para quem tem fome, ou você mata e se sacia até a próxima vontade assassina. Baal não era um demônio de estimação. Ele só decidiu acompanhar Adrian em sua sina porque, ao devorar seus três filhos, sentiu, bem lá no meio do seu grande estômago, um tiquinho de consideração.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

CONTANDO ARCO-ÍRIS NO ASFALTO

Imagem: lovable-maria.com

Caminhando a esmo pela rua...
A noite é boa, de lua,
Caminho só e sem temor.
Não há mais nada, nem dor.

Ando olhando ao redor.
É meu bairro, saudade é pior.
Olho tudo assim meio nua,
Minha vida em nada é sua.

Vou andando numa boa.
A chuva cai, pulo lagoa,
Jogo amarelinha, rodo pião.

E assim vai meu coração,
Ritmando a cada passo do sapato,
Contando arco-íris no asfalto.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

SOBERANO: O PLANETA DA FOME_PARTE I_ADRIAN E BAAL_CAPÍTULO I

"Lá de cima, no céu negro que já fora azul-celeste, ela lhe alumiava o caminho de ferro fundido."

Era noite. Sombras sinistras se movimentavam sobre antigos trilhos de trem. Vivalma alguma dava os pés por lá. Após a quase aniquilação humana, ser vivente algum se atrevia a caminhar sobre esses trilhos. Mas havia alguém lá. E não estava só. Adrian caminhava sobre os trilhos. A grande lua vermelha lhe fazia companhia. Lá de cima, no céu negro que já fora azul-celeste, ela lhe alumiava o caminho de ferro fundido. Entre eles, havia outro ser, que não era humano e, tampouco, um satélite artificial vermelho-sangue, Baal também estava ali, pairando sobre a cabeça de Adrian. Baal era um demônio da fome.