terça-feira, 29 de março de 2022

NO REINO DA SOBERBA

Imagem: gregoneblog.blogspot.com

As pessoas não aprendem

Ou não querem aprender;

Quando se veem prejudicadas,

Querem bancar as injuriadas.

 

Dar o braço a torcer

É uma grande humilhação.

Dizer que errou feio então...

Nem um sinal sequer de amadurecimento.

 

Todo mundo aí se acha o certo,

O dono da razão.

Coitados!

Toda soberba é uma criança mimada de barriga cheia.


quinta-feira, 24 de março de 2022

UM SESC CADA VEZ MAIS PARA POUCOS

Imagem: g1.globo.com

        Todo mundo aqui conhece o SESC, certo? Ah! Peraí. Tem gente aqui que é diferenciada, que não conhece nada do famoso Terceiro Setor. Esse pessoal de clubes exclusivos não conhece direito o próprio país. Melhor deixá-los de lado, por ora.

        Voltemos ao SESC. Quem os conhece, quem os frequenta sabe que é mó barato aquela estrutura, certo? Tem quase tudo por lá. Excelentes exposições, peças de teatro, shows e atividades esportivas e culturais que dão orgulho de ver e participar, correto? As piscinas então são um grande chamariz em dias muito quentes, que até tevês de helicópteros adoram exibir em seus telejornais da hora do almoço, não é mesmo? Sempre mostram aquele horror de gente ali fora ou dentro das piscinas se divertindo a valer naquele caos aquático típico de paulistano bem ou mal pago. É um programa democrático, convenhamos. Eu, por exemplo, adoro praticar a minha natação obrigatória em qualquer piscina semiolímpica do SESC. E comer aquela comidinha de seus restaurantes, comedorias, lanchonetes é um programa baratíssimo, saudável e muito bom de conhecer, desfrutar.

        Infelizmente, ultimamente, coisas muito estranhas estão acontecendo em todas as unidades desse empreendimento do chamado Terceiro Setor. Hoje, pra entrar em qualquer unidade aí é obrigatório o tal do Passaporte da Vacina. Até aí, tudo bem. O ambiente é fechado e, com a pandemia, não dá pra vacilar, não é? Porém, se você deseja usufruiu melhor das atividades lá existentes, você é obrigado a baixar no seu celular de estimação ou no do ladrão, um aplicativo específico. E é por ele, somente por ele, que você faz tudo: agendamento de exames dermatológicos, agendamento pra renovar a credencial plena e pra agendar algum horário pra praticar a atividade física do seu gosto. Aliás, é justamente esses agendamentos o pior problema do SESC ultimamente: você tem que ficar ligadão nos dias e horários específicos pra poder pegar, literalmente, os dias e os horários que melhor se enquadrem na sua atribulada rotina. E já aviso, viu: é muito difícil! É mais fácil ganhar sozinho na mega sena acumulada do que conseguir um dia e um horário bons pra você. E tem mais! Se você, por milagre, consegue marcar um agendamento, você é mais uma vez obrigado a levar o celular (àquele mesmo de estimação ou do ladrão) até a unidade para que, na entrada, eles lá possam ler o QR Code que é disponibilizado no APP deles quando você enfim conquista um horário disputado! E, olhe: nem toda unidade têm o dispositivo pra ler o tal do código, viu. Se você não sabia, agora saiba: o SESC é uma rede, mas cada unidade trabalha de um jeito, cada unidade têm uma administração própria; se numa têm uma coisa, numa outra pode não ter, entendeu?

        Essa parada tecnológica parece legal coisa e tal; surgiu aí por causa da pandemia e isso e aquilo, porém, na prática, é uma tecnologia excludente. Você não vê mais os tios e as tias avulsos, isto é, você não vê mais o pessoal da melhor idade que não estão inscritos em algum curso, os que usavam o SESC livremente, pelas unidades. E o uso obrigatório do celular favoreceu mais àqueles que têm um celular parrudão (aquele modelo bem mais caro mesmo) e os que têm uma internet top, ultra-mega-blaster de rápida.

        E, enquanto isso, a grande maioria da população, que já não têm acesso a essas boas estruturas de lazer e cultura, fica, cada vez mais, mais segregada, impossibilitada de usufruir o pouco do bom que ainda existe nesta cidade, neste país cada vez mais exclusivo de uns poucos.

        É realmente lamentável.

  

quarta-feira, 23 de março de 2022

EU POR AÍ ANDANDO...

Imagem: laboratoriodafe.pt

ando

não me arrasto

caminho

não corro

pra que correr

se o mundo é redondo

 

vou

volto

e

aqui

dá no mesmo

tudo é a mesma coisa

só muda o idioma

 

paro

pra descansar

e

quando volto a caminhar

caminho quase parando

pra apreciar

apreciando

a vida que passa

passando

  

segunda-feira, 21 de março de 2022

MODUS OPERANDI

Imagem: vice.com


Congelado ficas

Ao ser abordado

Por um vendedor

Inusitado

Ou

Um ladrãozinho mesmo

Folgado

 

Medo da porra tens

Quando alguém fala com ele

Homem, mulher ou bicho-papão

O sujeito trava

Passa mó aflição

 

A surpresa o assusta

Do inesperado tenta

Em vão

Escapar

Se livrar —

Inútil

 

O que ele ainda não entende

É a coisa que parece simples

Mas que requer dentes:

Quando o indivíduo toma partido de si mesmo,

Quando ele compreende a sua própria natureza

Tudo e todos

A sua volta

Vira presas

  

terça-feira, 15 de março de 2022

CIDADE ABANDONADA

Pintura de Gabriel Bevacqua / deviantart.com


Andando pela cidade,

Vejo só infelicidades:

Gente aos montes passando fome,

Segurança alguma some.

 

Andando ando tombo:

Calçadas malfeitas, rombo.

Parece até uma terra sem lei;

Se celular tem, logo fica sem.

 

Muitos cruzamentos sem sinais,

Roubam direto os cabos, canais.

Até tampa de bueiro tão levando

E se há um morto no chão, passam olhando...

 

Por aqui alaga e falta água.

A ironia é a nossa desgraça!

Todo mundo cobra, mas não faz nada!

Pior é que se acostumaram a viver na merda.

 

quarta-feira, 9 de março de 2022

GUERRA AO FÁLICO

Imagem: pt.vecteezy.com


“Aceita um canudo?”, pergunta o atendente simpático do restaurante pé-sujo daqui do bairro. “Não. Obrigado.”, respondo com a mão espalmada tipo stop. Nunca fui de utilizar essa ferramenta curiosa e prática pra sugar o líquido, geralmente gelado ou frio, da vez. Hoje em dia então, nem morto uso um troço daqueles de papel. Sim! Canudo hoje é só de papel. É mais biodegradável, certo? Ecologicamente correto, aliás. Isso é bom. Mostra uma sincera evolução no mercado capitalista selvagem. E quem aí não se enquadrar no esquema, sofrerá sanções ou coisa pior: linchamento virtual.

Termino o meu refresco e procuro o palito pra palitar os dentes. Cadê? Só saquinhos de sal e adoçante milimetricamente enfileirados numa caixinha sobre a mesa ao lado dos guardanapos de papel tipo celofane. Chamo o mesmo atendente simpático de antes. Faço do meu dedo indicador um exemplo visual, e muito idiota, do que eu estou precisando no momento. Ele me responde: “Ih, chefia! Não trabalhamos mais com isso, não”. Solto um: “Ah, tá! Valeu.” e um joinha meio murcho de decepcionante.

Levanto. Pago a conta. Da porta do estabelecimento, quase na calçada, pego um cigarro inventado no bolso (eh, eu não fumo), procuro o isqueiro igualmente inventado no outro bolso (repito: eu não fumo) e não o encontro. Dou meia volta e peço, por obséquio, à moça do caixa se ela tem fósforos. Ela é jovem e me responde com uma pergunta: “Fósforos? O que é isso?”. Engulo o cigarro imaginário junto com o peso da minha idade e saio para a rua ensolarada.

Na rua, suando feito um porco pururucado de Minas, lembro que tenho que passar na farmácia, ou numa perfumaria qualquer, pra comprar cotonetes de ouvido. Entro em várias e em todas não têm, tá em falta, e todas as atendentes sorridentes que me atendem me lembram que os especialistas no buraco do ouvido não recomendam o uso desse objeto arcaico e vilanesco do nosso meio-ambiente global globalizado.

 Muito traumatizado e triste pra caramba, percebo que a minha bexiga está cheia (eh, bebida diurética é dose, ou é efeito colateral de algum remédio aí renal). Vou num banheiro público e susto, horror: NÃO HÁ NADA ALI PRA PEGAR!!! Sumiu! Cadê? Onde foi parar??

E assim termina mais um dia neste mundo do além da imaginação. 

terça-feira, 8 de março de 2022

PARANOIA PAULISTANA

Imagem: pt.wikipedia.org

Hoje em dia, é muito comum dizer aos quatro ventos que ama ou odeia alguma coisa, certo? Até mesmo pessoas, seres vivos, são alvos fáceis de amor ou ódio, hoje em dia, não é mesmo? Pois então. Eu odeio! Eu odeio pessoas. Peraí. Melhor eu me explicar direito, e esquerdo, antes de ser linchado, ou pior, cancelado.

        Eu odeio pessoas que andam atrás de mim! Sério mesmo. Sabe aquelas pessoas que ficam bem atrás de você quando você está andando na calçada, subindo ou descendo uma rua? Cê tá ali de boas, fazendo a caminhada a pé que você sempre faz, ou só de bobeira mesmo, pondo em prática a caminhada obrigatória que o teu médico recomendou pra baixar o colesterol ruim e elevar a sua absorção de vitamina D e, de repente, você sente aquela sensação estranha, incômoda, que tem alguém bem atrás de você, quase no seu encalço, quase no seu cangote, sabe? Odeio demais isso! Poxa vida! Mantenha a distância, pô! Num sabe respeitar o espaço do outro, não?

        Claro. Você aí vai me dizer que isso aí é paranoia de paulistano. Você aí vai dizer que a gente aqui é paranoico com isso, que a gente aqui tem medo de ser assaltado, roubado, morto, assassinado, não é? POIS SOMOS MESMO!!! A gente aqui é meio de interior, meio do nordeste, tá ligado? A gente aqui desconfia até da sombra. A gente aqui quase nem confiamos na própria mãe, cara! Cê acha que a gente vai confiar num desconhecido que tá bem atrás da gente? Nós aqui não caímos no golpe da fruta, não! De mortadela conhecemos até o tempo de maturação de cada marca aí do mercado. Todo paulistano que se preze, digo, os que podem bater no peito e dizer com orgulho e lágrimas nos olhos que é paulistano de raiz, é desconfiado!

        Trabalhamos pra caramba? Sim! Medo é um sentimento constante pra gente? Sim! Todo mundo aqui usa camisa polo? Eh, veja bem. Um e outro aí sim, mas... Não mude de assunto! Foca em mim! Não me faça perder a mão da crônica aqui, cara.

        Pra resumir, só dar um Google aí e ver a bandeira da nossa cidade. Já deu? Pois então veja lá o braço direito armado. Tá vendo? O que tá escrito logo abaixo? NON DVCOR DVCO, né? Meu latim é péssimo, mas acho que se traduz mais ou menos assim: NÃO SOU CONDUZIDO, CONDUZO. Agora você nos entende, meu amigo?

segunda-feira, 7 de março de 2022

PEDINTIS

Imagem: Personagem Chiqueirinho (Pig-Pen) do cartunista Charles Schulz / guiadosquadrinhos.com

Quem aí pega metrô, ou trem, tá ligado: a quantidade de pessoas pedindo uma ajuda pelo amor de deus, ou vendendo alguma coisa, comestível ou não, aumentou drasticamente de uns tempos pra cá. Óbvio, a pandemia é a causa principal dessa situação. Porém, não podemos negar, sempre existiu isso, sempre se viu vendedores ambulantes pelos corredores deslizantes do metrô e dos trens; um pedinte e outro também sempre se via por lá.

        Os que a gente quase não vê hoje são os seguranças. Antes, sempre se via dois, no mínimo, ali pelas catracas ou até mesmo andando pelos vagões. Hoje, aquelas pessoas de preto carrancudas e de porte intimidador só são vistas em dias de grandes jogos futebolísticos, ou de grandes eventos musicais, que ocasionalmente ocorrem pela cidade. No dia-a-dia é muito raro ver um par desses.

        Mas voltando aos pedintes. Você aí já deve ter reparado: têm muito pai e muita mãe levando seus filhos nesse corre. Se não viu, logo aviso: sempre é uma criança de colo. E essa, geralmente, tá com muito sono, ou muito puta da vida, em estar ali com o pai ou com a mãe. Um mau-humor é sempre visível nesses pequenos. Ou um puta de um celular grandão em suas pequenas mãozinhas. Você aí já viu isso? Não? Pois eu sempre vejo. Esses pais, ou mães, estão sempre com um mochilão, tipo mochila de mochileiro do leste europeu nas costas, ou uma sacolona de lona a tiracolo típica das sacoleiras da 25 de março, do Brás e/ou do Bom Retiro. É coisa muito comum vê-los por aí pedindo uma ajuda, uma moeda de cinco, dez centavos neste mundo cada vez mais hiperconectado que não utiliza mais dinheiro vivo, sequer moedas. Aliás, até por isso mesmo, muitos desse pessoal aí já aceitam PIX de caridade. Um e outro vão falando suas chaves ou ostentando plaquinhas no pescoço para o caridoso não errar o seu tão necessário donativo. Até a esmola já virou high-tech.

        Coisa de louco? Coisa trivial de um sistema capitalista selvagem? Bah! Esses não diferem em nada do pessoal aí das redes sociais que pedem à exaustão para nós, seus simples seguidores, darmos um like, um joinha, para nos inscrevermos no canal, que nós precisamos ativar a porra do sininho e compartilhar a merda toda para todos os nossos contatos.

        É gente demais pedindo coisas que quase ninguém tem.

sexta-feira, 4 de março de 2022

SUPORTES DE CARNE

Imagem: g1.globo.com


Celular é acessório muito comum hoje me dia, certo? Vira e mexe, ou melhor, pra tudo que é lado, você vê alguém vendo pro próprio celular, seja parado em um canto suspeito ou bem no meio da rua mesmo. Há, por aí também, uns mais radicais que ficam olhando pro dito cujo enquanto estão andando, caminhando em baixo de sol, chuva com ou sem guarda-chuva. É coisa de louco. A telinha luminosa fisga a nossa atenção plena. É no metrô ou no busão, sempre tem alguém olhando pro próprio aparelhinho ou pro alheio, o do vizinho.

        Contudo, porém, entretanto, o fato mesmo curioso é onde as pessoas os apoiam.

        Você aí mesmo já deve ter visto, ou até faz o que vou aqui comentar, têm muita gente por aí apoiando o bichinho no bucho. Sério. Já vi gente olhando pro celular na altura dos zóios, que é prática mais comum, já vi gente olhando pra ele mais abaixo, num ângulo de noventa graus mais ou menos, também já vi gente olhando pro celular o apoiando na cabeça do/a filho/a impaciente, que também quer porque quer ver também o que o/a pai/mãe tá vendo sobre ele/a, mas, sobre o próprio bucho, era caso raro de presenciar.

Hoje, isso tá mais comum, bem mais. E tal fato não é só caso exclusivo de homem, não, viu. Já vi muita mulher apoiando o celular espalhafatoso de colorido sobre a saliência aparente. Ambos os sexos estão mais buchudos mesmo, e mais encurvados, corcundas também. Pergunte aí pro seu alfaiate pessoal, ou pra sua costureira profissional, eles vão lhe confirmar: hoje tá todo mundo mais cheinho e dobrado sobre si. Décadas atrás, as pessoas eram mais esguias, retas, de porte e estatura varapau, olhavam mais para frente, e não para baixo. Pessoa corcunda só se via quem tinha algum problema de saúde. Os buchudos então eram bem raros. Tempos difíceis eram. Chocolate, sorvete, que vinha em pote de isopor (!), eram artigos de luxo. Coisas consideradas de presente para o fim do ano apenas, sabe?

Enfim, tudo isso aí dito, parece até uma involução, não achas? Você já deve ter visto por aí nas estampas das camisetas da molecadinha esperta, aquele desenho do homem caminhando que representa a evolução humana, certo? Lá, na estampa, nos encurvamos aos poucos numa tela de computador, não é? Acho que até esse desenho crítico tá carecendo ser atualizado. Até onde nós nos agacharemos, hein? Tô achando que acabaremos rolando, que nem aquela pedra do Sísifo.