quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O contraceptivo e o fantasma

Foi a primeira vez. Nunca em toda a minha vida, nunca senti tanta apreensão quanto naquele dia, ou melhor, naquela madrugada acalorada. Costumo dormir com várias mulheres, mas não tenho uma que me prenda, tenho umas com as quais me prendo de bom grado. Com uma dessas, certa vez, cometi um pequeno atrevimento inconseqüente. Gozei dentro dela sem a devida proteção. Não fiquei preocupado, a princípio, mas ela, minha encorpada companheira daquela noite, ficou, instantaneamente ao perceber minha secreção peniana escorrendo entre suas formosas coxas. Seu sorrisinho malicioso e satisfeito transmutou-se rapidamente numa boca de pavor. Ela chorou. Xingou-me. Nessa ordem. Estava visivelmente nervosa e apreensiva, quase chegando ao desespero psicofisiológico. Foi algo nada atraente de se ver. A cada gota de lágrima que lhe caia da mimosa face, eu ficava igualmente preocupado, caia na real, transparentado, salgado e espatifado feito gotícula. Tentei acalmá-la. Disse-lhe que não precisava se preocupar, mas foi em vão. Ela não acreditava no que eu lhe dizia. Estava em seu período fértil. E eu no meu período incrédulo, cético. Ela conseguiu me convencer, porém. Morri de medo junto com ela. O fantasma da paternidade ganhava forma, contornos tênues, de traços vindouramente definíveis, indefectíveis. Em meio a esse devaneio, ela resolveu tomar a tal da pílula. Ótimo. Acabamos indo juntos comprar a bendita, no raiar do dia. Desembolsei uma boa grana por uma simples pílula, e ela ficou mais sossegada quando a engoliu duma vez, logo após o nosso farto café da manhã. Despedimo-nos um pouco embaraçado um com o outro; estávamos quase vexados. Dias depois, liguei pra ela. E ela me disse que estava tudo bem, afinal desceu o sagrado sangue. Esqueci de dizer que nesses dias sem contato, o fantasma da possível paternidade não arredou pé cá do meu lado. Mesmo consciente da infertilização, ele não vai embora, não me abandona mais. Insiste em espectrar-me ininterruptamente. Não é que eu tenha receio de ser pai, mas, ao contrário, desde aquele susto, penso, seriamente, em sê-lo. Por que não? Adoraria cuidar duma menininha linda, minha filha. Talvez eu esteja me sentindo sozinho demais. Relações efêmeras não me satisfazem mais como antes. Estou ficando velho, é fato. Vai ver é por isso que estou pensando nisso. E esse fantasma aqui tem de desaparecer. O nascimento de uma filha, ou até mesmo de um filho, será seu definitivo exorcismo.

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