![]() |
Foto: tijucarj.wordpress.com |
Criança não presta. Sei disso, pois as vejo por
aqui todo dia na rua. Eu as vejo sempre correr, gritar e zombarem de si e dos
outros todo dia. É de manhã ou à tarde, elas sempre aprontam. Causam quando vão
para a escola, quando saem dela e até quando fogem dela! Principalmente quando
fogem. Cabular é prática comum por aqui. Da rua, em qualquer canto ou quebrada
por onde passo ou pouso, eu as vejo vagabundear por aí. Talvez o colégio não
seja um bom lugar. Vai saber. Nunca entrei num. Nem sei como é. Enfim, eu vejo
esses garotos e essas garotas por aí a esmo e fico preocupado, desconfiado.
Afinal, eles não prestam. Estão sempre brigando entre si e com outros ao seu
redor. Roubam descaradamente e são tão violentos que dá até medo. Um exemplo:
aqui pelas ruas do bairro, há uma doida. É doida porque, à noite, pelas ruas do
bairro, ela vai andando sozinha e gritando a todo o momento. Ela é meio gorda,
carrancuda e balança os braços roliços de uma forma animada. Ela anda meio
assim dançando, sambando, sapateando. E grita. Grita como se entoasse um
cântico, uma reza ou um alarme. É indecifrável. Só ela sabe o significado
daquilo, se é que tem raiz em alguma língua conhecida. Pois bem, essa tipa vira
e mexe surge pelas ruas daqui do bairro. E as crianças mexem com ela. Sempre.
Às vezes é só encheção de saco, um comentário idiota, uma zombaria besta e mais
nada. Mas têm vezes que essas pestes pegam pesado. Cutucam ela, empurram ela,
tentam derrubá-la, mas ela, a doida, pouco faz pra se defender ou revidar. Só
continua gritando, gritando aqueles sons estranhos incompreensíveis. Quando a
gorda cai, as pestes correm pelas ruas desertas do bairro numa algazarra de
gargalhadas. Polícia alguma passa, claro. Esses, acho, nunca vi por aqui à
noite. A doida fica pouco lá no chão. Ela se ajeita, se levanta e continua seu
caminho louco. Deve ter casa. Não sei. O que sei é isso: só o que vejo. E eu
vi! Essa mulher não era uma mulher comum. Noutra noite, estava eu quieto numa
praça zoada do bairro, numa dessas que já fora parque e, agora, mais parece um
terreno baldio, sabe. Estava eu lá num canto oculto, tentando me aquecer pra
dormir, quando eu ouvi o grito da doida. Ela entrara na praça e estava como
sempre do seu jeito: cambaleante, bêbada e estridente. Estava só, como sempre.
Porém, conforme a vi se aproximar mais de mim, também vi um grupinho de
moleques atrás dela, cada vez mais próximo dela. Eles a cercaram logo. Ficaram
lá a seu redor, gritando junto com ela de uma forma zombeteira, intimidadora.
Eles riam, gargalhavam na cara dela. Cuspiram nela e a xingaram. Dois
empurraram ela. A gorda tombou. No chão, ainda cuspiram mais nela e a chutaram.
Forte. Brutal. Todo mundo junto. Eu ouvi bem barulho oco de couro sendo surrado
e estalos de ossos sendo quebrados. A doida não mais gritava, nem emitia
qualquer som ou respirava. Os moleques continuaram ali, ao seu redor, de olhos
fixos naquela massa gorda, ensanguentada e muda. Foi quando viraram as costas
para ela que eles não viram. Eles não
viram a massa crescer rapidamente, que nem uma massa de bolo no forno e
envolver a todos numa monstruosa bocada cheia de dentes encardidos!! Enquanto aquela
coisa grotesca e feia os comia, soltava saliva e impropérios: “SUJOS! VIS! NEM
PRA ENCHER MEU BUCHO SERVEM!”. E logo vomitou uma crosta fétida de ossos e
carne podre num esguicho tipo cano quebrado de esgoto. A massa voltou à forma
da mulher gorda, aprumou-se toda e seguiu trôpega, gritando, gritando aquele
mesmo grito, indistinto, mais alto e mais alto... Ninguém deu falta das
crianças.
Obs.: conto NÃO selecionado no Concurso Literário - Possessão da Cartola Editora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário