sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

VISITAS

Imagem: 123rf.com


Dizem que o Homem é sensitivo. Realmente, todo Homem é provido de cinco sentidos: tato, olfato, audição, visão e paladar. Contudo, dizem, há Homens que possuem mais um, o sexto, a tal da intuição. Essa, claro, todo Homem têm. Porém, há uns que a desenvolvem mais do que outros. E isso é fascinante! Sentir algo que a maioria dos Homens não costuma sentir é algo que sempre mexeu comigo. Desde pequeno, lembro-me, ficava maravilhado com histórias que versavam por esses campos além do mundo natural, sobrenatural. Meus colegas tinham medo. Eu não. Eu as ouvia e imaginava nitidamente como era aquilo que me relatavam. Eu tinha uma boa imaginação. Valia-me dela e nada mais, pois, infelizmente, nunca presenciei algo do tipo em toda a minha vida. A não ser, claro, daquela vez, talvez. Analisando hoje, mais lúcido, percebo que aquele caso, talvez, tenha sido algo atípico. Na época, não dei tanta importância ou atenção devida; para mim, tinha sido só um caso de arroubo, agitação, loucura juvenil. Mas, agora, pensando melhor, talvez não. Creio eu ter presenciado um legítimo exorcismo! Que época era? Acho que era agosto. Agosto não costuma ser bom por estas bandas de cá. Que ano? Não me lembro. Acho que eu tinha um terço da idade que tenho hoje. Enfim, faz tempo, muito tempo e, nesse tempo, eu tinha uma namorada, uma pequena. Lembro-me agora dela porque foi justamente uma amiga dela que realizou o tal do exorcismo. Se não me engano, estávamos na casa dessa amiga da minha namorada quando o causo se sucedeu. Acho que estávamos lá fazendo uma visita, tomando umas cervejas ilegais e fumando alguma coisa que não me lembro agora. Estávamos lá de papo e rabiscos e, do nada, bateram forte na porta. Ao abrir a porta, essa amiga da minha namorada, e nós, demos de cara com um mundaréu de gente do lado de fora. Haviam várias cabecinhas enfileiradas ali tomando toda a escadaria que dá acesso ao décimo quinto andar. Eh, essa amiga da minha namorada morava num apartamento e, em sua porta, havia um horror de gente angustiada querendo ajuda. Mas a ajuda não era para eles, era para uma vizinha abaixo, do décimo terceiro andar. Não me lembro quem disso isso, se alguém ali presente falou com a amiga da minha namorada, mas ela, de alguma forma, sabia o motivo daquilo tudo. Essa, então, desceu as escadas e, para a minha surpresa, não esbarrou em ninguém que ali estava. Muito pelo contrário, mesmo abarrotada de gente ali plantada, essa amiga da minha namorada, passou por eles facilmente, como se ali não estivesse ninguém. Eu e minha pequena fomos também, óbvio. Contudo, para a minha grande surpresa, tivemos dificuldades em acompanhá-la, pois, diferente dela, fomos esbarrando e nos espremendo para alcançá-la. Realmente, havia muita gente ali, na escadaria. Já na porta da tal vizinha, que necessitava de ajuda, uma coisa estranha: a amiga da minha namorada lá estava, parada, olhando fixamente para a porta e, suas mãos, estavam para baixo, na linha do sexo, fechadas, bem fechadas, ela fechava bem as duas mãos, pois sangue se via escorrendo de ambas... Com ele, ela vez uns desenhos estranhos na porta, enquanto cochichava umas palavras, que mais pareciam sílabas. Terminado o ritual, acho que era um ritual, ela, essa amiga da minha namorada, bateu três vezes na porta. A mesma foi se abrindo bem devagar, sozinha e lentamente fazia um som que não era lá muito comum de porta gemendo quando abre. Não. Era mais um suspiro. Um som de alívio, se não me engano. Com a porta toda aberta, podemos ver a tal vizinha. Era uma moça, sem dúvidas. Muito jovem e quase nua. Suas vestes estavam rasgadas. E sujas, muito sujas, disso me lembro bem. Essa moça estava no chão duma sala, acho que era uma sala. Acho que tinha um sofá a sua direita e uma mesa de centro à sua esquerda. Ela, a moça, estava no chão, sobre um tapete felpudo escuro. Acho que era felpudo, pois me lembro de seu aspecto bestial, como se aquele artigo doméstico trivial tivesse pertencido a algum animal. A jovem estava no chão e se contorcia toda. Estava toda suada, desgrenhada e sorria um sorriso medonho de gente doente, muito doente. Era anormal. Eu me sentia muito estranho e profundamente incomodado com aquilo. A amiga da minha namorada, porém, estava impassível. Desde que entrara no apartamento dessa menina, não tirava os olhos sobre ela. Havia uma luta ali, certamente. Mas só entre as duas. A jovem, de repente, começou a tossir e a emitir uns sons muito agudos de assobios; ela estava claramente tendo dificuldades em respirar. A amiga da minha namorada então deitou sobre o corpo da jovem, enlaçando seus braços e pernas com os dela, tentando imobilizá-la de vez. Aí ela foi encostando bem devagarinho sua boca na orelha esquerda da jovem, enquanto esta lhe olhava com aqueles olhos esbugalhados vermelhos e com aqueles dentes desproporcionais expostos, feito bestas marinhas de cânions abissais. De certo, cochichou alguma coisa para ela. Ou deu-lhe um beijo. Ninguém sabe. Só elas. Não dava para ver. Só vimos a amiga da minha namorada se levantando aos poucos, igualmente do mesmo jeito quando se deitou sobre a moça e, jamais, deixando de encará-la firme nos olhos. De pé, essa inspirou profundamente e expirou um longo suspiro. Bateu três palmas e deu três pisadas bem fundas no ventre da jovem deitada com seu calcanhar direito descalço. A jovem, imóvel, parou na hora de sorrir. Uma tremedeira estranha tomou todo o seu corpo e todo o ambiente ao redor. Acho que até o prédio todo tremia. Foi assustador! Todos ali se apavoraram. Menos a amiga da minha namorada, que parecia dura feito pedra, uma estátua, diante do maremoto ao redor. Num instante, tudo parou. Uma calmaria veio como se sempre estivera ali. A jovem, ainda no chão, parecia gozar de um inocente sono. A melhora, em seu semblante, era visível. Já a amiga da minha namorada estava cansada, visivelmente exausta, mas ainda se mostrava firme, alerta. Despediu-se de todos ali mesmo, inclusive da gente, da minha namorada, sua amiga, e eu, só um recém-conhecido. Ela fechou a porta da vizinha e subiu, sozinha, até o seu apartamento de cima. Nós, minha namorada e eu, voltamos para o limbo. Só mesmo depois de morto pude ver algo do tipo.



Obs.: conto NÃO selecionado no Concurso Literário - Possessão da Cartola Editora.

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