terça-feira, 14 de março de 2023

UMA ESTRELA SEM FUTURO

Imagem: montagem sobre @7activestudio/iStock

Pode parecer estranho, mas nasci antes de minha mãe. Naquele tempo, o Universo era muito diferente! Não havia nada. Quero dizer: pouco, muito pouco, se havia. Os futuros astros, meus irmãos e irmãs, nem eram consolidados! Assim como eu também não era. A gente era outra coisa. Uma coisa assim bem antes do ancestral; algo do tipo primordial, sabe? Nossa mãe, claro, estava lá; óbvio. Mas ascendi primeiro. Por isso disse antes que vim antes. Tal fenômeno, lembro, foi muito estranho. De repente, assim mesmo do nada, comecei a me destacar, a ir um pouco além de onde meus irmãos e irmãs tinham ido. Porém, algo deu errado, muito errado. Até hoje, eu não sei direito o que houve. Mas desconfio de um aborto. Abortei-me. Não tenho certeza. Só uma sensação, sabe? Uma suspeita. Sei lá! Deixemos isso de lado, por ora. Donde estavas? Ah! O tal fenômeno, que me ocorrera antes, ocorrera com a nossa mãe também. Contudo, com ela foi algo assim mais bem-sucedido, entende? Também foi de repente. Do nada, ela começou a se fundir. Foi algo astronômico de se ver! Sério. Ela se compactava toda e irradiava uma forte luz. Ela, em si mesma, começou a dançar. E nós, seus filhos e filhas, a seguimos. Foi ela que nos deu movimento. Foi ela que nos fez girar em nós mesmos. Foi ela que nos deu Vida! Por isso, é ela a nossa mãe. Quanto a mim, fiquei feliz por ela, de verdade. E sou muito grata a ela também. Ela nos deu vida, poxa! Contudo, apesar de tudo, sinto uma mágoa. Sei lá. Seria inveja? Seria uma certa raiva e/ou ódio mortal desse maldito Universo injusto e desgraçado?! Talvez. Não disse antes, mas digo agora: após o tal fenômeno, meu fenômeno, eu nunca mais fui a mesma. Eu fiquei menor, caramba! Meus irmãos e irmãs andavam por aí imensos e redondamente bem-sucedidos e, quanto a mim, diminuíra horrores, encolhida. Parecia até um arremedo de qualquer coisa não celeste que não deu certo e nem ia dar. Eu já nascera sem futuro, porra?! Que merda era essa?!? E isso que digo nem era o pior! Não. A ascensão da nossa mãe, minha mãe, foi o prelúdio duma desgraça maior. Ninguém percebia. Mas eu sim. Aquela lá não parava de inchar. Anos e anos nos nutrindo, nos dando a porra da luz divina pra depois nos comer, nos devorar sem mais nem menos?? Sim! Eu sempre a via ganhar mais e mais centímetros naquelas grandes explosões que ela dava. Sempre ficava maior. Sempre. Sempre mais e mais imensa. Naquela época, até de cor mudou, e de brilho. Nunca fora tão vermelha e nunca fora tão resplandecente. Mas o negócio fudeu geral mesmo quando ela, a mamãe, devorou os seus filhos e filhas mais próximos, meus irmãos e irmãs mais novos. Ela simplesmente os comeu! Os engoliu um por um!! Que droga de família era essa, caralho?!? Quando ela veio pra cima de mim, nem acreditei. Ela já tinha engolido oito dos meus queridos irmãos e irmãs. Eu era a nona, a última que faltava. Ela foi se achegando e não pude resistir a ela. Ela, de alguma forma, me atraia para si. Desgraçada! Maldita! Eu era a menor, então, ela me abocanhou facilmente. Gritei. Esperneei. Mas foi inútil. Fiquei dentro dela por um tempo horrível, quase eterno. Digo fiquei porque a canibal acabou me golfando depois. Ela, sei lá porquê, desinchou, diminuiu de tamanho e, novamente, mudou de cor e de brilho. Hoje, essa filha da puta, é quase do meu tamanho, só um pouco maior e brilha um brilho fraco, branco, como se estivesse se desvanecendo... Quanto a mim, continuo por aqui, por enquanto. Mamãe e eu nos orbitamos, só nós continuamos girando e girando neste Universo caótico, frio, cada vez mais frio e escuro, cada vez mais escuro. Ela ainda exerce uma força absurda sobre mim. Estou toda machucada. Indefesa. Impotente. Meu brilho ainda é menor do que o dela. E eu sei. Não sei porque sei, mas sei que ela, um dia, há de me devorar novamente. E aí, enfim, mamãe e eu nos tornaremos uma só: uma carcaça escura no vazio.

 


Observação

Conto confeccionado, porém, NÃO selecionado para a 13ª edição da revista eletrônica SUBTEXTOS.


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