Caminhava
a passos lentos, criatura, por mim vista, perambulando pela rua. Era noite.
Noite de verão. Clima seco, sem previsão de chuva; tempo de insolação. A criatura
cambaleava feito bêbado contido no meio da estrada. Seu corpo estava putrefato,
em alta decomposição; suas vestes, de última moda, faziam-na se camuflar entre
os transeuntes do centro da cidade – muita gente sem se tocar do grande aparte.
Porém, um sinal, que poucos reparavam pra ver, destacava-a dos demais: seu
rosto curvado era assustadoramente iluminado por uma luz branca sinistra e
artificial. A criatura sorria de vez em quando. Seu sorriso era de louco. Um sorrisinho
amarelo de gente abatida, de gente que sofre de alguma verminose-decote. A criatura
também manifestava uns biquinhos, desconjuntava os próprios lábios, parecia
também sofrer de algum enfado grave. A criatura andava e não olhava para os
lados, sempre seguia em frente com a cabeça cabisbaixa reluzente. Aquela visão
me dava medo. Mesmo eu não sentindo um perigo direto, aquela coisa era de
arrepiar os cabelos. A criatura dava seus passinhos e de tempos em tempos se ouvia
uns tenebrosos assovios. Passei ao lado dela, ela não me viu, e eu, intrigado,
a segui, com a minha arma em punho, óbvio. Ela, a criatura, parecia andar sem rumo.
Contudo, após uma boa caminhada, percebi o intuito: próximo a um viaduto,
elevado feio e sujo, outras criaturas tipo ela se acotovelavam. Era gente de
todo tipo, de toda faixa etária, gênero e classe social. Todos ali estavam
condenados e não pareciam se sentir assim. Todos sorriam, pareciam mesmo se
divertir. Eu estava assustado... De repente, me vi envolvido! Eu não via mais ninguém
igual a mim. Todos ali estavam hipnotizados, todos caminhavam cabisbaixos,
arrastando os pés em um mesmo compasso abafado. Sentia-me no meio das tropas
inimigas, sentia-me no meio da torcida rival. Por sorte, eles não repararam em
mim. Todos ali estavam compenetrados, absortos, de olhos baixos, fixos no chão parecendo
receber alguma instrução do além indizível. Porém, não vacilei. Mantinha-me em
alerta constante, preocupante. No meio dessa multidão, aquele assovio irritante
foi ganhando proporções épicas de um eco alucinante. Ainda bem que eu estava
com meus protetores intra-auriculares. Se antes não disse, digo agora que eles
acompanham a minha querida arma. Arma esta espacial radiofônica de fritar miolos
de mortos-vivos. Eu estava sozinho. Eu precisava
resolver logo aquilo. Minha querida cidade sofria de uma espécie de mutação às
avessas. Aquelas coisas, outrora digníssimos cidadãos, estavam se alastrando a
todos os cantos, vielas e becos de minha querida cidade. Se existia cura, eu
não sabia de sua existência. Eu precisava exterminar logo aquilo. Em meio a
eles, tomei partido. Agarrei um do meu lado e tentei purificá-lo. No chão nos
debatemos. Nisso, uma espécie de dispositivo eletrônico se desprendeu dele. E,
logo em seguida, eu vi aquele ser nefasto parecer estar se curando
automaticamente: seu corpo, bem na minha frente, parecia estar se recompondo suavemente
e aquela luminosidade estranha na face de antes parecia estar desaparecendo...
Corri para apanhar o dispositivo que se soltou dele, receei que ele fosse
pisoteado pela multidão infectada. Eu precisava analisá-lo. Quando eu o apanhei
em minhas mãos, aquele troço, além de vibrar bastante, soltou um assovio
diferente e muito mais alto daquele chatinho e baixo, era um alarme, logo apercebi.
Todos ali postados de pé a andar pararam de se mover. O dono do aparelho, já de
pé, olhou fixamente para mim. E ele parecia não estar lá muito contente. Correu
de encontro a mim numa ferocidade e numa velocidade impressionantes. Entendi logo
a intenção dele e não titubeei, saquei a minha arma e disparei. Sua cabeça,
estourei. Nisso, no mesmo instante, aquele seu dispositivo desgarrado, que
estava na minha outra mão, se dissolveu, se desintegrou completamente. Confirmação:
aqueles dois estavam interligados, era algum troço tipo simbiose, um dependia
do outro pra sobreviver. Essa minha dedução foi rápida. Entretanto, os demais
zumbis, que estavam ali, foram mais ligeiros: eu estava cercado, todos finalmente
pareciam olhar para mim e todos horrivelmente mal-humorados. De cara feia não
tenho medo. Saquei a minha outra arma e, com as duas, que são gêmeas siamesas
de primeiro grau espectral, desembestei em disparar sem dó nem piedade. Quem fica
encurralado e é corajoso pra valer, manda todos se foder!! Eu fodi com todos
aqueles desgraçados bem ali. Nem com as criancinhas e velhinhas tive pena. Eram
eles ou eu. E todos ali já estavam condenados, bem mais pra lá do beleléu. Só agi
mais rápido do que aquela força manipuladora que os controllevavam. Fiz um baita estrago. Exterminei geral. Claro que não
saí totalmente ileso, eles eram centenas. Porém, saí vitorioso, acabei com
todos mesmo eu ficando todo sujo, assanhado, mordido, rasgado e empapado de
sangue meu e alheio. Tudo isso foi só o começo. Muita coisa tinha de ser feita ainda.
Eu tinha que ir atrás da fonte disso tudo. Em outra transmissão continuo o meu relato.
Ou não. O perigo existe. É real. Cuide-se aí. Fim desta transmissão.
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