Eu
sou desprezível, desprezado. Não tenho aquela capacidade natural de agradar
aqueles que me cercam. Sou chato, crítico e cafajestemente sincero. Não minto,
é verdade, mas omito, ironicamente, para não desagradar ainda mais aqueles que
me cercam. Sou honesto, compreensível. E justamente por isso sou deixado de
lado, esquecido, negligenciado. Meus conhecidos não querem isso de mim. O que
eles querem é minha máscara. Mas das muitas que eu devo ter, confesso que
nenhuma cheguei a usar. E não as usei por falta de oportunidade, ou
necessidade, viu. Veja bem, eu não as usei porque elas não cabiam no meu rosto.
Admito que tentei fazer isto: pequei todas as máscaras que eu tinha,
espalhei-as num vão e fui experimentando cada uma por vez. Porém, ao me ver com
cada uma diante da janela-espelho exterior, percebi que o que eu estava fazendo
era uma tremenda duma bobagem. Além disso, eu ficava muito ridículo e feio de
doer usando essas máscaras desajustadas ao meu rosto. Na minha cara não cabe
subterfúgios. No meu semblante não se ajusta fachadas disfarçadas para
satisfazer quem passa. Minha deformação é o escombro do que sou, fui e vou ser.
Sou o que chamam de bagulho, mas acho que entulho é mais condizente, mais haver
com aquilo que vejo em mim diariamente. Não sou obra finalizada, feita, pronta
pra ser entregue ou obra acabada, desfeita, pronta pra demolirem. Sim, sou uma
obra inacabada. E que tem muito prazer nisso, pois, se sou obra, sou obra de
mim mesmo. Não sou do tipo superfaturada, embargada ou atrasada. Sou eu mesmo o
material e a mão-de-obra dessa minha construção do meu eu interior e, claro, do
meu eu exterior também. Minhas estruturas são bem firmes. Tenho e carrego
sempre comigo minhas convicções, meus punhadinhos de certezas. Sou ético,
esteta, mas não estético ou protético. Sou uma espécie de puxadinho: feito
assim, sabe, de improviso, para atender uma necessidade prevista; para agregar
àquilo que já existe o que surge inesperadamente, entende? Sou uma laje onde as
pessoas pisam, se divertem, mas sou também uma superfície ampla, sem muros
limitadores. Sou teto enchido por mãos amigas e interesseiras. Sou um refúgio
onde solitários enamorados se deitam e miram a Lua Cheia reluzente – portal
celestial das lembranças mais queridas e deliciosas. Eu sou aquilo que dói
constantemente, aquilo que machuca invariavelmente nos seres aparentemente de
concreto. Eu sou a rachadura, o Arauto do Tempo. Sou a verdade verdadeira da
danação humana, e inumana. Eu sou a cicatriz, muito prazer!
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