quinta-feira, 7 de março de 2013

Almas de concreto também choram

Eu sou desprezível, desprezado. Não tenho aquela capacidade natural de agradar aqueles que me cercam. Sou chato, crítico e cafajestemente sincero. Não minto, é verdade, mas omito, ironicamente, para não desagradar ainda mais aqueles que me cercam. Sou honesto, compreensível. E justamente por isso sou deixado de lado, esquecido, negligenciado. Meus conhecidos não querem isso de mim. O que eles querem é minha máscara. Mas das muitas que eu devo ter, confesso que nenhuma cheguei a usar. E não as usei por falta de oportunidade, ou necessidade, viu. Veja bem, eu não as usei porque elas não cabiam no meu rosto. Admito que tentei fazer isto: pequei todas as máscaras que eu tinha, espalhei-as num vão e fui experimentando cada uma por vez. Porém, ao me ver com cada uma diante da janela-espelho exterior, percebi que o que eu estava fazendo era uma tremenda duma bobagem. Além disso, eu ficava muito ridículo e feio de doer usando essas máscaras desajustadas ao meu rosto. Na minha cara não cabe subterfúgios. No meu semblante não se ajusta fachadas disfarçadas para satisfazer quem passa. Minha deformação é o escombro do que sou, fui e vou ser. Sou o que chamam de bagulho, mas acho que entulho é mais condizente, mais haver com aquilo que vejo em mim diariamente. Não sou obra finalizada, feita, pronta pra ser entregue ou obra acabada, desfeita, pronta pra demolirem. Sim, sou uma obra inacabada. E que tem muito prazer nisso, pois, se sou obra, sou obra de mim mesmo. Não sou do tipo superfaturada, embargada ou atrasada. Sou eu mesmo o material e a mão-de-obra dessa minha construção do meu eu interior e, claro, do meu eu exterior também. Minhas estruturas são bem firmes. Tenho e carrego sempre comigo minhas convicções, meus punhadinhos de certezas. Sou ético, esteta, mas não estético ou protético. Sou uma espécie de puxadinho: feito assim, sabe, de improviso, para atender uma necessidade prevista; para agregar àquilo que já existe o que surge inesperadamente, entende? Sou uma laje onde as pessoas pisam, se divertem, mas sou também uma superfície ampla, sem muros limitadores. Sou teto enchido por mãos amigas e interesseiras. Sou um refúgio onde solitários enamorados se deitam e miram a Lua Cheia reluzente – portal celestial das lembranças mais queridas e deliciosas. Eu sou aquilo que dói constantemente, aquilo que machuca invariavelmente nos seres aparentemente de concreto. Eu sou a rachadura, o Arauto do Tempo. Sou a verdade verdadeira da danação humana, e inumana. Eu sou a cicatriz, muito prazer!

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